O correspondente independente irlandês, Conor Gallagher, analisa o possível, mas não improvável, alastramento dos conflitos militares do Oriente Médio ao Cáucaso por Israel e EUA, utilizando-se de disputas econômicas e territoriais regionais entre Armênia, Azerbaijão, Irã, Turquia e o Corredor de Zangezur.
Com a onda de violência contínua dos EUA/Israel no Oriente Médio, estamos tendo um número crescente de vislumbres dos recessos obscuros da mente neocon. Isso inclui fantasias como “vitória total” e devaneios sobre Israel assassinando o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei.
Recentemente, apresentamos uma dessas visões de Simon Watkins, conectado aos neocons. Nela, ele levanta uma opção para Israel atacar o Irã a partir do Azerbaijão, o que levaria a outra frente de guerra, destruição da infraestrutura energética do Oriente Médio e do Cáspio, o naufrágio da economia global e, potencialmente, a morte de centenas de milhares de pessoas, se não mais — apenas o devaneio neocon de sempre.
- [Recentemente publicamos as previsões de um fechamento do Estreito de Ormuz pelo Irã, entre elas, a opinião muito otimista de Simon Watkins de que o Ocidente teria a capacidade de suprir a demanda petrolífera por outras vias:: “Petróleo a US$ 350/barril se Irã fechar Ormuz em resposta a Israel”].
Embora a versão de Watkins seja improvável, há possibilidades do Cáucaso ser sugado para o massacre dos EUA/Israel no Oriente Médio. Os sonhos febris neocons infelizmente desempenham um papel, mas também há muitas outras coisas acontecendo, e eu gostaria de dar uma olhada mais sóbria nisso.
O Cáucaso está na encruzilhada entre Europa, Ásia e Oriente Médio, e é, portanto, um dos centros vitais mais contestados para transferência de energia e logística comercial. Todos os principais participantes dos conflitos no Oriente Médio, assim como outros, estão fortemente envolvidos em manobras geopolíticas na região.
Grande parte da intriga no Cáucaso gira em torno do chamado Corredor de Zangezur, uma faixa de terra de 42 quilômetros no sul da Armênia, encravada entre o Azerbaijão e seu enclave, Nakhchivan, e que faz fronteira com o Irã ao sul.
Este pequeno pedaço cobiçado desempenha um papel descomunal em projetos maiores de comércio e energia devido ao fato de que quem o controla aumentará sua influência na região. É de grande interesse para todos os grandes jogadores de um conflito mais amplo no Oriente Médio, incluindo Irã, Rússia, Turquia, Israel e os EUA.
Os EUA têm grande controle sobre seu destino devido à sua recente infiltração no governo armênio, que se tornou um posto avançado de Washington, e o Corredor de Zangezur é uma grande moeda de troca.
O acordo de cessar-fogo de nove pontos assinado sob mediação russa que encerrou a guerra de 2020 entre o Azerbaijão e a Armênia estipulou que esta última é responsável por garantir a segurança das ligações de transporte entre as regiões ocidentais do Azerbaijão e Nakhichevan, facilitando o movimento desimpedido de cidadãos, veículos e cargas em ambas as direções. O Azerbaijão e a Turquia se agarraram a esse ponto, insistindo que têm o direito de estabelecer ligações de transporte através do sul da Armênia.
Baku quer que as viagens de pessoas e cargas entre o Azerbaijão e Nakhchivan sejam livres de inspeção alfandegária e espera que Yerevan concorde com a implantação de guardas de fronteira russas ao longo do corredor. Moscou concorda com a implantação de seus guardas de fronteira, mesmo que não concorde com a questão da alfândega (ficaria a cargo dos russos as verificações de segurança).
Embora Turquia, Irã, Azerbaijão e Rússia não concordem quanto ao corredor de Zangezur, houve um esforço concentrado para se encontrar um acordo funcional para todos os lados. Baku queria uma estrutura “3+3” mais ampla, envolvendo Rússia, Irã, Turquia, Azerbaijão, Armênia e Geórgia. O Kremlin conduzia o processo até que a Armênia, no ano passado, recorreu aos EUA e à UE para substituir Moscou, uma decisão que rapidamente resultou na perda do disputado território de Nagorno-Karabakh pela Armênia e na expulsão de mais de 100.000 armênios étnicos.
A inserção dos EUA na equação torna um acordo pacífico muito improvável e aumenta as chances de que a desestabilização se espalhe além do Oriente Médio. O ponto de partida para qualquer conflito no sul do Cáucaso que atraia atores externos seria outra rodada de lutas entre a Armênia e o Azerbaijão. Este último recebe forte apoio militar de Israel e da Turquia, enquanto a Armênia é agora um representante ocidental com apoio principalmente da França e dos EUA, assim como da Índia.
Enquanto Washington libera o hospício — tanto no seu Departamento de Estado quanto em seus Estados delegados, onde seu apoio febril a neonazistas, jihadistas e genocidas parece cada vez mais uma estratégia arriscada — seria surpreendente se Washington e Israel não tentassem avançar com maior imprudência no Cáucaso.
Será que os outros atores — Turquia, Azerbaijão, Irã e Rússia — conseguirão encontrar caminhos mutuamente aceitáveis em vez de conflitos?
As perspectivas não parecem tão boas no momento. As negociações de paz entre o Azerbaijão e a Armênia (com forte participação dos Estados Unidos) destinadas a resolver questões de fronteira de longa data, bem como a questão de Zangezur, estão atualmente descendo pelo ralo. O principal obstáculo é o Corredor de Zangezur.
Em 14 de outubro, o ministro da defesa do Azerbaijão instruiu seus militares a permanecerem em alerta máximo e “estarem prontos para tomar medidas preventivas contra todas as possíveis provocações de forças revanchistas na fronteira acordada”.
Tanto o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, quanto Erdogan fizeram frequentes declarações sobre tomar o Corredor de Zangezur à força, se necessário, e num novo conflito entre o Azerbaijão e a Armênia, a possibilidade é inteiramente plausível — se não provável — que façam um esforço para fazê-lo.
O problema é que o Irã está cada vez mais preocupado com a perspectiva do corredor, já que sua influência está sob ataque em todo o Oriente Médio e traça linhas vermelhas à medida que se isola nessa questão.
É fácil imaginar vários cenários sob os quais o conflito se espalha do Oriente Médio para o Cáucaso, especialmente quando se leva em conta as maquinações da atual abordagem tudo-ou-nada EUA/Israel. Em vez de especular sobre essas hipóteses, fornecerei um breve resumo das posições de todos os jogadores em relação ao Corredor de Zangezur e como seus posicionamentos provavelmente estão ligados à atual fúria EUA/Israel no Oriente Médio.
Irã
Teerã deixou claro para os EUA que se Israel/EUA atacarem sua infraestrutura energética, responderão da mesma forma, e isso inclui não apenas o Oriente Médio, mas também o Cáucaso do Sul — especificamente o Azerbaijão.
Isso faz sentido, já que o Azerbaijão fornece 40% das necessidades energéticas de Israel. As fortes relações de troca de armas por energia entre Israel e Azerbaijão continuam a ser uma grande preocupação para o Irã, a mídia iraniana relata sobre bases militares secretas israelenses no Azerbaijão e a crença de que sabotagem contra o Irã é frequentemente dirigida por Israel a partir do Azerbaijão.
Regional peace, security and stability is not merely a preference, but a pillar of our national security.
Any threat from North, South, East, or West to territorial integrity of our neighbors or redrawing of boundaries is totally unacceptable and a red line for Iran.
— Seyed Abbas Araghchi (@araghchi) September 5, 2024
Seyed Abbas Araghchi, Ministro das Relações Exteriores iraniano, tuitou : “Paz, segurança e estabilidade regionais não são meramente uma preferência, mas um pilar da nossa segurança nacional. Qualquer ameaça do Norte, Sul, Leste ou Oeste à integridade territorial dos nossos vizinhos ou redesenho de fronteiras é totalmente inaceitável e uma linha vermelha para o Irã.” (05/09/24)
Sobre a questão do Corredor de Zangezur, Teerã diz que ele cruza sua linha vermelha. A implementação do Corredor Zangezur seria negativa para Teerã em quase todos os sentidos concebíveis. O Irã seria eliminado por uma rota de desvio em torno da Armênia. Detalhes do Al Monitor :
- O Irã ganha uma comissão de 15% dos suprimentos de gás do Azerbaijão para Nakhchivan. Ele também serve como uma rota para exportações turcas para a Ásia Central. Uma média de cerca de 12.000 caminhões turcos usam a rota mensalmente, com o Irã cobrando taxas de passagem de até US$ 800 pela jornada de 1.800 quilômetros (1.120 milhas) até a fronteira com o Turcomenistão.
Mais do que o dinheiro, entretanto, o Irã não quer perder influência sobre o Azerbaijão, que depende do trânsito pelo Irã para se conectar ao seu enclave. Teerã está especialmente preocupado com um Corredor para Turan da OTAN cujo Ocidente conecta hipotéticos Estados clientes por toda a Ásia Central, a fim de contornar o Irã. Segundo o Dr. Vali Kaleji, um especialista em Ásia Central e Estudos Caucasianos baseado em Teerã:
- O Irã vê a criação do corredor de Zangezur como uma questão além do acesso da República do Azerbaijão ao enclave de Nakhchivan e acredita que esse corredor fornecerá acesso militar direto para a Turquia, membro da OTAN, no Cáucaso e a oeste do Mar Cáspio. De fato, um número significativo de elites e especialistas iranianos acreditam que a expansão da presença turca no Cáucaso do Sul, especialmente através do corredor de Zangezur, fortalecerá o pan-turquismo na região, uma ameaça direta às regiões azeris do noroeste do Irã.
Em 2022, o Irã abriu um novo consulado no sul da Armênia e conduziu exercícios militares mais frequentes em sua fronteira com o Azerbaijão, bem como no Mar Cáspio. Se o Azerbaijão e a Turquia tentarem tomar terras armênias à força, uma intervenção iraniana faria sentido, mas o que Teerã fará se a Armênia concordar com o Corredor de Zangezur? Tomar medidas nesse caso viria em um momento em que o copo do Irã está próximo de transbordar e colocaria Teerã em desacordo com todos os outros países na região, incluindo a Rússia.
Em setembro, o Irã convocou o embaixador russo sobre o apoio de Moscou a Zangezur. Há relatos de outros problemas entre o Irã e a Rússia, embora não esteja claro quanta carne há no osso. Independentemente disso, notícias recentes do Cáucaso do Sul são motivo de ainda mais preocupações para Teerã.
Em 8 de outubro, o primeiro-ministro armênio Nikol Pashinian e o presidente russo Vladimir Putin anunciaram que a guarda russa da fronteira será retirada do posto de controle armênio-iraniano até 1º de janeiro. Desde 1992, as fronteiras da Armênia com a Turquia e o Irã são de responsabilidade das tropas russas.
Devido à aproximação da Armênia com a OTAN e ao fato de o Azerbaijão ser um posto avançado do Mossad, Teerã compreensivelmente vê esse acontecimento como parte de uma ameaça crescente vinda do norte.
Israel e Azerbaijão
O Azerbaijão quer o Corredor Zangezur. A questão é, como eles farão para conseguir?
O problema é que se eles fizerem isso, os EUA/Israel podem tentar garantir que isso se torne um conflito. Pode-se entender a tentação para a Turquia e o Azerbaijão, mas eles cairiam direto na armadilha? Sem dúvida, esse item estava em discussão por Putin e Aliev durante a visita do primeiro a Baku em agosto e até agora a discussão permanece no Azerbaijão — que também tem fortes laços com a China — a qual está se recusando a desempenhar seu papel na tentativa do Ocidente de dirigir a peça.
As relações entre o Irã e o Azerbaijão têm sido difíceis por muito tempo devido a uma variedade de questões, mas é importante lembrar que isso nem sempre significa uma escalada até o conflito, como frequentemente acontece para nações na órbita da Ordem Internacional baseada em Regras. Baku e Teerã também encontram maneiras de cooperar, como no Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul que passará por ambos os países e conectará a Rússia à Índia.
Dito isso, o relacionamento amigável de Baku com Israel está cada vez mais problemático, e ambos os lados estão se acusando mutamente de espionagem e terrorismo. De 2016 a 2020, Tel Aviv foi responsável por 69% das principais exportações de armas ao Azerbaijão, incluindo suas munições de espera, que ganharam notoriedade na Guerra de Nagorno-Karabakh de 2020.
Essa relação com Israel serve como um contrapeso à influência iraniana no Azerbaijão, que inclui pressão contra o desenvolvimento de rotas transcaspianas através do Azerbaijão. Há também a questão das províncias do Azerbaijão Ocidental e do Azerbaijão Oriental no Irã, que são principalmente povoadas por azeris e curdos. Baku faz algum barulho sobre autodeterminação, mas isso é principalmente um sonho dos neocons americanos. Eles há muito imaginam usar a população étnica azerbaijana no Irã para desestabilizar o país. Estranhamente, o atual presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, que chegou ao poder depois que seu antecessor morreu em um acidente de helicóptero em um voo de volta do Azerbaijão, é etnicamente parte azeri, assim como o líder supremo Ali Hosseini Khamenei.
De acordo com relatos de não neocons, os azeris iranianos estão, em sua maioria, bem integrados à sociedade iraniana e não há muita insatisfação para que atores externos explorem. Entretanto, isso raramente impede os neocons, os quais frequentemente veem o conflito como uma chave para desbloquear tensões étnicas reprimidas para serem liberadas a seu favor.
Publicado em Naked Capitalism.