Por VeritXpress
De Autoria de Wilson Ferreira, publicado em seu Blog: Cinegnose.
Wilson Roberto Vieira Ferreira é jornalista, professor, escritor e pesquisador em Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. É Mestre em Comunicação Contemporânea (Análises em Imagem e Som), doutor em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP.
A presente matéria, correlaciona-se com a coluna anteriormente publicada: [Imprensa brasileira descobre que militares fazem operações psicológicas, mas confunde com propaganda].
A volta do jornalismo de guerra. Nesse momento a grande mídia tenta criar a tempestade perfeita com um concerto de crises: alta dos alimentos, Petrobrás, dengue, segurança pública, Saúde, diplomática, climática, queda da aprovação do governo Lula etc. Porém, nos últimos dias esse modus operandi da mídia hegemônica revelou uma nova faceta: a preocupação com comunicação do Governo – por que, apesar dos bons feitos na Economia, os resultados não chegam ao povo? Mais uma crise, a da comunicação que, como sempre, reativamente, faz Lula convocar ministros. Qual o ardil desse súbito interesse da grande mídia na comunicação? No afogadilho da “crise”, induzir Lula a fazer mais do mesmo: confundir comunicação com propaganda. Enquanto grande mídia e as bolhas virtuais das redes estão articuladas em uma operação semiótica que vai muito além desse senso comum da comunicação: o acontecimento comunicação provocadas pelas bombas semióticas detonadas num contínuo midiático atmosférico.
Nunca a grande mídia se preocupou tanto com a questão da comunicação dos governos petistas como demonstra nesses últimos dias.
Depois de 2023 com boas notícias econômicas (crescimento do PIB para além das expectativas, aumento da renda, queda do desemprego etc.), o ano 2024 abre com uma agenda midiática de crises generalizadas, entre reais e autorrealizáveis: epidemia da dengue, inflação dos alimentos, Petrobrás, crise da segurança pública (sendo que a fuga do presídio federal de Mossoró e a inglória busca dos fugitivos tornou-se para a mídia o retrato mais triste dessa questão), crise da educação com a reforma do ensino médio empacada no Congresso, crise na Saúde, desgaste político da ministra da pasta Nísia Trindade, crise diplomática com Israel etc.
E outras que virão. Como demonstra o entusiasmo do jornalismo corporativo em prospectar novas crises – sendo a última, a crise dos móveis do Palácio da Alvorada, dados como sumidos na gestão Bolsonaro e encontrados, após acusações de Janja de descaso: Utilizando-se da Lei de Acesso de Informação, uma dupla de repórteres da Folha descobriu no inventário terminado no ano passado o reencontro das peças perdidas. Dando farta munição para as redes bolsonaristas e a promessa de “medidas judiciais” feita pela ex-primeira-dama Michelle.
Podemos até imaginar brain stormings sendo realizadas nesse momento nos “aquários” das redações da grande imprensa para sugerir l outros ocais para cavar crises novas em folha…
A preocupação dos “colonistas” da grande mídia com a comunicação do Governo começou com o paradoxo da queda na aprovação a Lula e seu governo num contexto das “boas notícias na área econômica” – entenda-se, aquelas simpáticas à Faria Lima pelo ministro da economia Fernando Haddad.
A pergunta que os “colonistas” fazem é essa: por que apesar das boas notícias, a aprovação de Lula cai? Por que as boas notícias não chegam na ponta, isto é, no cotidiano popular? Resposta é mais uma crise inserida em uma já extensa lista: a crise da comunicação.
Comunicação nunca foi uma questão relevante para a mídia hegemônica. Pelo contrário. Sempre foi vista como uma virtude de Lula que a mídia amaldiçoava como “populismo”.
Na gestão Lula 1, os “colonistas” descobriram o marketing político e praguejavam: “tudo é marketing em Lula!”, como se o marketing na política fosse uma novidade.
Depois de anos de mensalão batendo bumbo diariamente nos meios de comunicação e, mesmo assim, Lula conseguindo a reeleição, o desabafo mais comum era: “nada cola na sua imagem!”, admiravam-se dez em cada dez especialistas entrevistados.
Para este humilde blogueiro, esse súbito interesse na comunicação do governo, transformado em pauta midiática, tem um ardil: reforçar uma concepção clichê ou senso comum da comunicação. Qual seja: o conceito de comunicação limitado à propaganda. Supostamente, Lula e seu governo estão falhando na divulgação de uma “agenda positiva”.
Efeito fliperama
Desde os tempos da crise política da Mensalão, Lula e o PT são prisioneiros de um círculo vicioso reativo – anda a reboque da pauta imposta pela grande mídia, criando aquilo que já chamamos de “efeito fliperama”: mídia lança a bolinha que bate e rebate no jogo, criando um piloto automático reativo, sempre numa política de contenção de danos – sobre esse conceito clique aqui.
Isso é conhecido, sabido e notório para a mídia hegemônica. Por isso, sabe que pode contar com esse “efeito fliperama” que corrobora com o ardil da “crise da comunicação do Governo Lula”.
O gatilho foram os resultados das últimas pesquisas cujos números apresentavam queda acentuada na aprovação e uma subida acentuada nas curvas de desaprovação. “Colonistas” dispararam: Mais uma crise!
Lula na reunião ministerial, convocada imediatamente após os números negativos das pesquisas, responde reativamente – cobrou ministros para que entreguem mais realizações e comuniquem melhor as iniciativas que vem sendo tomadas pelo Poder Executivo.
Também Lula convocou dois conselheiros para ajudar o governo a “melhorar a comunicação”: o publicitário Sidônio Palmeira, que foi marqueteiro da campanha em 2022, e o sociólogo Marcos Coimbra, presidente do Instituto Vox Populi, que já atua como colaborador em debates com o PT.
O ardil da crise da comunicação
Onde está o ardil nisso tudo? A pauta da “crise da comunicação” da grande mídia (ao lado da “tempestade perfeita” das crises de saúde, inflacionária, climática, meteorológicas de opinião etc.) força o Governo, como sempre, a uma formação reativa – como toda formação reativa, no sentido psicanalítico do termo, leva a um desvio psíquico, a busca de um atalho pela lei do menor esforço psíquico.
Pela saída mais simples e imediata, pensar a comunicação pelo viés do senso comum: como propaganda – cobrar ministros para que divulguem melhor suas realizações, chamar o marqueteiro da campanha para, quem sabe, repetir o feito de 2022. E pedir ajuda ao sociólogo Marcos Coimbra. Certamente em busca de alguma metodologia para prospectar melhores “públicos-alvos” para se comunicar e “furar a bolha” – expressão da moda que vira bala de prata para solucionar qualquer coisa na propaganda política.
O ardil da grande mídia é incentivar Lula a continuar fazendo mais do mesmo: intensificar a publicidade e propaganda do Governo e, claro, ganhar verbas públicas geradas pelo aumento das inserções publicitárias.
Em outros termos, manter Lula e seu governo presos no círculo vicioso de ação e reação do efeito fliperama.
Todo esse “mais do mesmo” decorre de uma confusão entre informação e comunicação. E o diagnóstico de que o problema da comunicação reside unicamente na dificuldade de o Governo informar melhor suas realizações. No máximo há uma percepção de que Lula deve criar uma “agenda positiva”.
Isso é necessário, mas não é o suficiente. E a mídia hegemônica sabe disso, porque ela participa de uma operação semiótica muito mais ampla.
Informação, comunicação, contínuo midiático atmosférico
Para entender essa confusão entre informação e comunicação deve-se começar fazendo uma crítica a um truísmo que se estabeleceu: de que as tecnologias de convergência e as redes sociais jogaram as mídias tradicionais (as chamadas “de massas”) para um segundo plano. E de que o campo de lutas decisivo está nas redes sociais. Partindo da ideia de que o gênio da comunicação alt-right está nesse campo, ou melhor, na maneira como conseguiu “furar as bolhas”.
A questão é que esse truísmo foi formulado no campo da informação e não no da comunicação. O problema é que o fenômeno da comunicação significa muito mais do que a imagem de um emissor que tem a necessidade de passar uma informação para um receptor através de um canal. Levar um conteúdo do ponto A para o ponto B através de uma mediação.
O surgimento das redes sociais não colocou as mídias tradicionais num segundo plano, mas as colocou num papel bem especial numa recente mudança estrutural da esfera pública.
Na mudança estrutural da velha esfera pública de opinião do século, como descrita por Jürgen Habermas, a ascensão das Relações Públicas, Publicidade e assessorias de imprensa impôs a “refeudalização da esfera pública”: os interesses privados que se tornam hegemônicos fazendo se passar como interesse público – leia HABERMAS, Jürgen, A Mudança Estrutural da Esfera Pública, Editora Unesp, 2014.
O século XXI testemunha outra mudança estrutural: a velha opinião pública transformou-se no contínuo midiático atmosférico, uma espécie de ambiente midiático no qual flutuam as bolhas virtuais das redes sociais – bolhas criadas pelos algoritmos dos motores de busca das Big Techs.
“O contínuo midiático atmosférico os atravessa [as bolhas das redes sociais – observação minha] com suas ondas temáticas e acontecimentos produzindo continuamente ‘espíritos do tempo’ dotadores de sentido. A esfera política joga iscas no contínuo midiático atmosférico visando repercussões de seus movimentos da esfera pública (…) e o contínuo midiático atua como esfera dominante e determinante, apesar de não ser dirigida explicitamente por ninguém, de ser uma nebulosa que funciona apenas como corpo sem órgãos de tudo o que sobre ele rebate. O contínuo amorfo midiático é atmosférico, sem forma nem definição física; é apenas um ‘espírito’, uma força cega, mas sua operação é realizada por instituições concretas e visíveis, que são os meios de comunicação de massas” (MARCONDES FILHO, Ciro (org). Dicionário da Comunicação. São Paulo: Paulus, 2009, p.77).“
Essa “disputa diária frente ao noticiário da mídia corporativa” vai além do combate nas redes sociais. São necessárias intervenções no contínuo midiático atmosférico.
Por que não intervenções pontuais em rede nacional para rebater as bombas semióticas que estão criando mais ondas de choque? Ou usar a TV Brasil como espaço para uma crítica e desconstrução sistemáticas das bombas semióticas.
Para evitar esse ardil da mídia hegemônica (o ardil do “mais do mesmo”) o Governo deve pensar em formas de intervenção nesse contínuo midiático atmosférico.
Apesar de toda suposta revolução criada pelas tecnologias de convergência, o conteúdo gerado pelas redes sociais ainda repercute os acontecimentos transmitidos pelas mídias tradicionais: eventos esportivos, fofocas de reality shows e vida privada de atores-celebridades e… bombas semióticas políticas.
Se os leitores estiverem acompanhando o raciocínio desse humilde blogueiro, não estamos mais no campo da informação. Bombas semióticas não informam, elas visam efeitos – principalmente a irritação tautista das bolhas virtuais.
O concerto de bombas semióticas onipresentes, consonantes e acumulativas criam essa percepção de tempestade perfeita que está deixando o Governo em pânico.
Hackear o contínuo midiático atmosférico
Portanto comunicação está no campo do acontecimento e não da informação.
Reagir a essas “iscas” jogadas no “éter midiático” está além das redes sociais. Deve ser a partir de intervenções no contínuo midiático atmosférico, naturalmente dominado pelas mídias tradicionais hegemônicas.
Reforçar a propaganda, criar “agendas positivas” etc. é importante, mas tomadas isoladas são ainda mais do mesmo. E por razões óbvias apoiadas pelos “colonistas” do jornalismo corporativo. Para além da informação, o governo precisa criar acontecimentos, suas próprias bombas semióticas nesse contínuo. Hackear o contínuo midiático atmosférico para, também, “irritar” as bolhas sociais.
Um exemplo e uma sugestão.
No ano passado, o programa “Em Pauta” da Globo News discutia um absurdo projeto de casa populares com 15 m2 da Prefeitura de Campinas e sugeria associá-lo ao programa “Minha Casa Minha Vida” do governo federal. Ao vivo, Lula imediatamente liga para a “colonista” Eliane Catanhêde corrigindo: as casinhas são projeto municipal e não federal, e muito menos do “Programa Minha Casa Minha Vida”. Causando constrangimento entre o apresentador Marcelo Cosme e participantes “reaças” como Jorge Pontual (o mais entusiasmado com a “notícia”) e Demétrio Magnoli.
Mais do que correção de uma fake news, foi um acontecimento comunicacional, uma bomba semiótica que foi “irritar” das bolhas virtuais.
Nesse sentido, a sugestão de José Dirceu, no seu artigo “Sinal Amarelo”, corrobora com essa estratégia:
Não existem respostas simples, mas há uma percepção de que o governo está perdendo a batalha da narrativa e da comunicação. Que sua política de comunicação falha em dois movimentos.
O primeiro: não faz a disputa diária frente ao noticiário da mídia corporativa para esclarecer seus pontos de vista e decisões.
Já o segundo é igualmente grave: não consegue furar o bloqueio das bolhas de extrema-direita das mídias sociais que continuam alimentando seus seguidores com uma realidade paralela de notícias falsas que vão de temas como família, saúde, vacina e aborto até questões de segurança pública e educação – clique aqui.
Essa “disputa diária frente ao noticiário da mídia corporativa” vai além do combate nas redes sociais. São necessárias intervenções no contínuo midiático atmosférico.
Por que não intervenções pontuais em rede nacional para rebater as bombas semióticas que estão criando mais ondas de choque? Ou usar a TV Brasil como espaço para uma crítica e desconstrução sistemáticas das bombas semióticas.
Para evitar esse ardil da mídia hegemônica (o ardil do “mais do mesmo”) o Governo deve pensar em formas de intervenção nesse contínuo midiático atmosférico.