Por VeritXpress
Este artigo é de autoria de Rosenthal, publicado em Chacoalhando sob o título de “Liberdade para o Mandela palestino, Marwan Barghouti”.
Ruben Rosenthal é engenheiro metalúrgico, professor aposentado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), responsável pelo site Chacoalhando, pelo programa Agenda Mundo na TV GGN e TV Chacoalhando.
“Liberdade para o Mandela palestino, Marwan Barghouti”
A relutância de Israel em conceder liberdade a Marwan Barghouti não parece estar relacionada à visão de que ele se trata de perigoso terrorista, embora esta versão já tenha sido por vezes veiculada.
Assim como Mandela, Marwan Barghouti achou necessário recorrer às armas para livrar o povo da opressão e dominação por forças coloniais. Como Mandela, ele foi condenado por terrorismo, e manteve forte liderança junto a seu povo. Resta ver, se assim como Mandela se tornou o primeiro presidente de uma África do Sul livre do regime racista de Apartheid, Barghouti irá se tornar o primeiro presidente eleito de um Estado Palestino independente e soberano, liberto das amarras do Apartheid imposto por Israel.
Marwan Barghouti se encontra encarcerado há mais de 20 anos, sentenciado à prisão perpétua cinco vezes, e mais 40 anos de detenção. Atualmente ele se encontra no presídio de Ofer, na Cisjordânia Ocupada, para onde foi transferido em setembro de 2023. Ele foi responsabilizado por ataques terroristas do grupo que chefiava, e que causaram a morte de quatro israelenses e um monge grego, em 2001 e 2002.
Seu nome está incluído em destaque na lista de prisioneiros palestinos que o Hamas deseja ver livres, como parte das negociações com Israel pela liberação dos reféns que ainda estão mantidos em Gaza. Barghouti pode vir a representar a união das forças políticas de Gaza e da Cisjordânia, fortalecendo o movimento pela tão almejada autodeterminação palestina.
Mas criação de um Estado Palestino representa uma heresia para Israel. E isso, não apenas para Netanyahu e seus apoiadores da extrema direita fundamentalista, mas também para um amplo espectro de políticos de centro e mesmo de esquerda, que sempre adiaram a solução da questão palestina.
Barghouti, entre a política e a luta armada
Informações sobre Marwan Barghouti aqui contidas foram obtidas principalmente de artigos do periódico israelense Haaretz, notadamente de matéria da jornalista Rachel Fink.
Em 1974, aos 15 anos de idade, Marwan se juntou ao movimento Fatah liderado por Yasser Arafat, tendo participado da fundação do Movimento Fatah Jovem, na Cisjordânia. Sua primeira prisão ocorreu aos 19 anos, por participar de um grupo armado, o que lhe custou uma sentença de sete anos. Ele aproveitou para completar o curso secundário e aprender hebraico, a língua dos opressores.
Ao final da década de 80, Barghouti participou da primeira intifada. Ele foi detido e deportado para a Jordânia, só retornando à Cisjordânia após sete anos, em 1994, com os acordos de Oslo.
Em 1996, Marwan foi eleito para o novo parlamento da Autoridade Palestina, o Conselho Legislativo Palestino. Ele se colocou contra os abusos de direitos humanos praticados pelos serviços de segurança de Arafat e a corrupção na Autoridade Palestina. Nesta fase, ele manteve contatos com políticos israelenses e ativistas do movimento pela paz de Israel.
A desilusão com a possibilidade de se alcançar a autodeterminação palestina de forma pacífica veio com o colapso das negociações de Camp David, Estados Unidos, de julho de 2000. Na ocasião, o fracasso foi atribuído na mídia à intransigência de Arafat, quando o que ocorrera – sabe-se agora – foi uma manobra do primeiro ministro israelense, Ehud Barak, com o apoio de Bill Clinton, então presidente dos EUA, de tentar impor condições bastante desfavoráveis aos palestinos, praticamente uma capitulação.
Barghouti participou então da segunda intifada, que eclodiu em setembro de 2000. Ele se tornou líder do Fatah na Cisjordânia, e chefe do braço armado, Tanzim, passando a defender a expulsão dos israelenses da Cisjordânia e da Faixa de Gaza1.
Após ter escapado de um atentado israelense, Marwan foi preso em Ramallah, julgado e condenado à prisão perpétua por cinco mortes cometidas pelo Tanzim. Mesmo não tendo participação direta nas mortes, Marwan teria sido responsável por ordenar os atentados. No entanto, seu encarceramento não representou o ocaso de sua influência política, pelo contrário. Ele teve um papel decisivo no processo de mediação entre Hamas e Autoridade Palestina em 2007, seguindo-se aos confrontos sangrentos que ocorreram após o processo eleitoral que levara à vitória do Hamas.
O aumento do prestígio de Barghouti já era previsto por Ehud Barak. Nas palavras do então ex-primeiro-ministro israelense: “Ele lutará pela liderança de dentro da prisão, sem precisar provar nada. O mito crescerá constantemente, por si só.”
Ariel Sharon, que assumira a chefia do governo israelense, viu a possibilidade de usar Barghouti como moeda de troca com o governo norte-americano, para obter a libertação do espião Jonathan Pollard. Ao final, a troca não se concretizou, e o líder palestino permaneceu preso. Pollard foi libertado em 2015, após encarceramento por 30 anos nos EUA.
Em 2017, Barghouti organizou uma greve de fome de prisioneiros palestinos, que durou 40 dias. A greve conseguiu restabelecer o direito a duas visitas mensais, que as autoridades israelenses haviam reduzido a uma única visita. Esta é outra semelhança com Mandela, que de sua cela liderou greves para obter melhores condições para os prisioneiros, em um movimento que ganhou reconhecimento das Nações Unidas.
Assim, mesmo encarcerado, Barghouti, manteve sua influência política. Em 2021, em oposição a Abbas, ele apresentou uma lista independente de candidatos parlamentares à Comissão Eleitoral Central da Autoridade Palestina. Com isso, ocorreria uma grande mudança no mapa político palestino nas eleições que seriam realizadas em maio daquele ano.
O primeiro nome da chapa era de um sobrinho de Yasser Arafat, vindo na sequência, o nome da esposa de Barghouti, Fadwa. Temendo então que o prestígio crescente de Barghouti desafiasse sua presidência da Autoridade Palestina, Abbas adiou indefinidamente as eleições previstas, sob o pretexto da recusa de Israel em permitir a inclusão de Jerusalém Oriental no processo eleitoral.
Agora, com os conflitos em Gaza, apesar de sua impopularidade com os palestinos, Abbas espera que os israelenses lhe entreguem o comando da Faixa de Gaza, em um imaginado cenário de derrota e eliminação do Hamas.
Já as atuais lideranças do Hamas parecem não temer o prestígio que Barghouti goza entre os palestinos, confirmado pelas pesquisas de opinião. De fato, uma sondagem de dezembro de 2023 realizada pelo Palestinian Center for Policy and Survey Research (PSR), indicou que 55% dos palestinos na Cisjordânia e em Gaza votariam em Barghouti, ficando assim à frente de Ismail Haniyeh, do Hamas, e de Mahmoud Abbas.
Ao pedir a libertação de Barghouti, as lideranças do Hamas querem passar uma imagem de responsabilidade e de representatividade, já pensando no período que se seguirá ao fim da era Abbas no comando da Autoridade Palestina.
Liberdade para Marwan Barghouti
O Hamas já havia tentando libertar Barghouti, quando das negociações para a libertação do soldado israelense Gilad Shalit, em 2011. Ao final, foi obtida a soltura de 1.027 prisioneiros palestinos, mas Barghouti foi um dos prisioneiros que Israel não aceitou incluir na lista.
A relutância de Israel em conceder liberdade a Marwan Barghouti não parece estar relacionada à visão de que ele se trata de perigoso terrorista, embora esta versão já tenha sido por vezes veiculada. Ao contrário, Barghouti é visto como um moderado por vários setores em Israel, e representaria um contraponto ao extremismo do Hamas. No passado, antes de se tornar presidente de Israel, Shimon Peres chegou a declarar que, se eleito, ele concederia o perdão a Barghouti. Mas Peres não cumpriu a promessa durante os sete anos em que esteve na presidência.
A atual crise dos reféns em Gaza traz novamente a questão da libertação de Barghouti para o centro da agenda de discussões. Para o ex-chefe do Shin Bet, Ami Ayalon, Barghouti deveria ser libertado como parte de um acordo de libertação de todos os reféns mantidos pelo Hamas: “Ele é o único que pode conduzir uma liderança palestina unida e legítima no caminho de uma separação de Israel, mutuamente acordada”.
De sua cela na prisão, Barghouti não faz concessões. Em dezembro do ano passado, na comemoração do aniversário da primeira intifada, ele fez um chamamento a todos os palestinos para que participassem da campanha de libertação: “Devemos fazer de cada lar palestino um reduto da revolução, e de cada homem, um soldado nesta campanha. Devemos nos unir e provar ao mundo que somos uma força inquebrantável, em nossa longa e contínua campanha heróica, criada pela resistência, e que está lançando uma nova etapa na história da nossa nação.”
Barghouti foi colocado em confinamento solitário, segundo foi noticiado ontem, 14 de fevereiro. O ministro israelense de segurança nacional, o extremista de direita Itamar Ben-Gvir, declarou que o motivo da segregação foi a obtenção de “informação sobre o planejamento de agitação”. A ação do governo poderá inflamar as tensões, avalia o noticiário.
Notas: 1 O desengajamento militar israelense de Gaza veio a ocorrer em 2005, promovido pelo primeiro-ministro Ariel Sharon.