Por VeritXpress
Autoria Pepe Escobar, jornalista investigativo independente brasileiro, especialista em análises geopolíticas, publicado pela Sputnik.
No ano da presidência russa dos BRICS, o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo – SPIEF 2024- precisava apresentar algo novo e especial.
E foi o que aconteceu: mais de 21.000 pessoas representando nada menos que 139 nações – um verdadeiro microcosmo da Maioria Global, discutindo todas as facetas para um impulso em direção a um mundo multipolar, multinodal (itálico meu) e policêntrico.
São Petersburgo, para além de todo o trabalho em rede e de negociações frenéticas – no valor de 78 bilhões de dólares alcançados em apenas três dias – elaborou três mensagens-chave entrelaçadas que já ressoam por toda a Maioria Global.
Putin’s SPIEF speech a showcase of Russia’s Economic strength and resilience – analyst
"In an extraordinarily confident, wide-ranging and detailed speech, President Putin set out the reality of a Russian economy which has defied sanctions, is growing faster than Western… pic.twitter.com/wbkMw84fEY
— Sputnik (@SputnikInt) June 7, 2024
O anúncio número um:
O Presidente Putin, um “russo europeu” e verdadeiro filho desta deslumbrante e maravilhosa dinâmica histórica junto ao Neva, proferiu um discurso extremamente detalhado de uma hora sobre a economia russa na sessão plenária do fórum.
A principal conclusão: quando o Ocidente coletivo lançou uma guerra econômica total contra a Rússia, o Estado-civilização deu a volta por cima e posicionou-se como a quarta maior economia do mundo através da paridade do poder de compra.
Putin mostrou como a Rússia ainda tem potencial para lançar nada menos que nove mudanças estruturais – globais – abrangentes, um esforço total que envolve as esferas federal, regional e municipal. Tudo está em jogo – desde o comércio global e o mercado de trabalho até às plataformas digitais, às tecnologias modernas, ao fortalecimento das pequenas e médias empresas e à exploração do fenomenal potencial ainda inexplorado das regiões da Rússia.
O que ficou perfeitamente claro é como a Rússia conseguiu reposicionar-se, para além de evitar o tsunami de sanções – ilegítimas – e estabelecer um sistema sólido e diversificado, orientado ao comércio global – e completamente ligado à expansão dos BRICS. Os estados amigos da Rússia já representam três quartos do volume de negócios comerciais de Moscou.
A ênfase de Putin no esforço acelerado da Maioria Global para fortalecer a soberania estava diretamente ligada ao fato do Ocidente coletivo fazer o seu melhor – ou melhor, o seu pior – para minar a confiança na sua própria infraestrutura de pagamentos.
E isso nos leva a… Glazyev e Dilma agitam o barco.
O anúncio número dois:
Esse foi sem dúvida o maior avanço em São Petersburgo. Putin afirmou que os BRICS estão trabalhando na seu próprio sistema de pagamentos, independentemente de pressões/sanções do Ocidente coletivo. Putin teve uma reunião especial com Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS.
Eles falaram detalhadamente sobre o desenvolvimento do banco – e acima de tudo, como posteriormente confirmado por Dilma Rousseff, sobre The Unit, cujos contornos foram revelados pela primeira vez exclusivamente pelo Sputnik: uma forma apolítica e transacional de pagamentos transfronteiriços, ancorada no ouro (40 %) e moedas BRICS+ (60%).
No dia seguinte ao encontro com Putin, a presidente Dilma teve uma reunião ainda mais crucial com Sergey Glazyev, Ministro da Macroeconomia da União Económica da Eurásia (EAEU) e membro da Academia Russa de Ciências, às 10h00, numa sala privada do SPIEF.
Glazyev, que já havia fornecido total apoio acadêmico ao conceito da The Unit, explicou todos os detalhes à Presidente Dilma. Ambos ficaram extremamente satisfeitos com o encontro. Uma radiante Dilma Rousseff revelou que já havia discutido a The Unit com Putin. Foi acordado que haverá uma conferência especial no Banco de Desenvolvimento do BRICS em Xangai em setembro.
Isto significa que o novo sistema de pagamentos tem todas as chances de estar à mesa durante a cimeira dos BRICS, em Outubro, em Kazan, e de ser adotado pelos atuais BRICS 10 e no futuro próximo, pelo BRICS+ alargado .
Agora para…
O anúncio número três:
Tinha de ser, claro, sobre os BRICS – todos, incluindo Putin, sublinharam que serão significativamente expandidos. A qualidade das sessões relacionadas com os BRICS em São Petersburgo demonstrou como a Maioria Global enfrenta agora uma conjuntura histórica única – com uma possibilidade real, pela primeira vez nos últimos 250 anos, de fazer tudo para uma mudança estrutural do sistema-mundo.
E não se trata apenas dos BRICS. Foi confirmado em São Petersburgo que nada mais, nada menos que 59 nações – e aumentando – planejam aderir não só aos BRICS, mas também à Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e à União Econômica da Eurásia (EAEU).
Não admira: estas organizações multilaterais estabeleceram-se agora, finalmente na vanguarda do impulso rumo ao mundo multimodal (itálico meu) – e para citar Putin em seu discurso – um “mundo multipolar harmónico”.
As principais sessões para referência futura
Tudo isso pôde ser acompanhado, ao vivo, durante os frenéticos dois dias e meio de sessões do fórum. Esta é uma amostra do que foi sem dúvida o mais envolvente. As transmissões deverão ser muito úteis como referências no futuro – até à cimeira dos BRICS em outubro e além.
Na Rota do Mar do Norte (NSR) e na expansão do Ártico. Melhor lema da sessão: “Precisamos de quebra-gelos!” A discussão essencial para compreender como as atuais cadeias de abastecimento do comércio global já não são fiáveis e como a NSR é mais rápida, mais barata e mais fiável.
- Sobre a expansão dos negócios do BRICS.
- Sobre as metas do BRICS para uma verdadeira nova ordem mundial.
- Nos 10 anos da União Econômica Eurasiática (EAEU).
- Sobre a integração mais estreita entre a União Econômica Euroasiática e a Associação das Nações do Sudeste Asiáticas (ASEAN).
- A mesa redonda BRICS+ sobre o Corredor Internacional de Transporte Norte Sul (INSTC). Esta sessão foi particularmente crucial. Os principais intervenientes do INSTC são a Rússia, o Irã e a Índia – todos membros do BRICS. Os atores marginalizados que irão lucrar com o INSTC – desde o Cáucaso até à Ásia Central e do Sul – já estão interessados em fazer parte do BRICS+. Igor Levitin, um importante conselheiro de Putin, foi uma figura chave nesta sessão.
- A Parceria da Grande Eurásia (GEP). Essa foi uma discussão essencial sobre o que é eminentemente um projeto civilizacional – em contraste com a abordagem excludente do Ocidente coletivo. A discussão mostra como a GEP se interliga com a OCX, a EAEU e a ASEAN e sublinha a complementaridade inevitável dos transportes, da logística, da energia e da estrutura de pagamentos em toda a Eurásia.
Glazyev, o vice-primeiro-ministro Alexey Overchuk e a ex-ministra austríaca dos Negócios Estrangeiros, Karin Kneissl – sempre muito perspicazes – são os principais participantes. Bônus extra – surpreendente: Adul Umari, Ministro do Trabalho em exercício no Afeganistão – Taliban, interagindo com seus parceiros da Eurásia.
- Sobre a filosofia da multipolaridade. Conceitualmente, esta sessão interage com a sessão GEP. Oferece a perspectiva de um diálogo intercivilizacional conciso no âmbito dos BRICs+. Alexander Dugin, a irreprimível Maria Zakharova e o professor Zhang Weiwei da Universidade Fudan estavam entre os participantes.
- Sobre Policentricidade. Isso envolve todas as instituições da Maioria Global: BRICS, OCX, EAEU, CIS, CSTO, CICA, União Africana, o renovado Movimento Não-Alinhado (NAM). Glazyev, Maria Zakharova, o senador Pushkov e Alexey Maslov – diretor do Instituto de Estudos Asiáticos e Africanos da Universidade Estatal de Moscou – discutiram como construir um sistema policêntrico de relações internacionais.
Enquanto o Projeto Ucrânia enfrenta a desgraça…
Finalmente, é inevitável contrastar o clima – esperançoso e auspicioso – no SPIEF 2024 com a histeria coletiva do Ocidente, à medida que o Projeto Ucrânia enfrenta a ruína. Putin deixou bem claro: a Rússia prevalecerá, aconteça o que acontecer. O Ocidente coletivo pode reacender “a solução de Istambul”, como observou Putin, mas modificada “com base na nova realidade” no campo de batalha.
Putin também desarmou habilmente toda a paranóia nuclear pré-fabricada e absurda que infestava os círculos atlantistas. Ainda assim, isso não será suficiente. Nos corredores lotados do SPIEF 2024, e em reuniões informais, havia total consciência sobre o belicismo alimentado pelo desespero do Hegemon, mascarado de “defesa”.
Não havia ilusões de que a atual demência que se apresenta como “política externa” está apostando num genocídio, não apenas por causa do “porta-aviões” na Ásia Ocidental (Israel), mas principalmente para intimidar a Maioria Global à submissão.
Isso levantaria a séria possibilidade de que a Maioria Global precisa construir uma aliança militar para dissuadir esta Guerra Global planejada.
Rússia-China, mais o Irã e, é claro, uma dissuasão árabe plausível – com o Iêmen mostrando o caminho: tudo isso pode tornar-se uma obrigação. Uma aliança militar da Maioria Global terá de aparecer de uma forma ou de outra: ou antes do desastre – iminente, planejado –, para mitigar; ou depois de ter mergulhado totalmente a Ásia Ocidental (Oriente-Médio) numa guerra monstruosa e cruel.
Agourentamente, podemos estar quase lá. Mas pelo menos São Petersburgo ofereceu lampejos de esperança. Putin: “A Rússia será o coração do mundo harmônico multipolar.” É dessa forma que se deve concluir um discurso de uma hora.