Por VeritXpress
Autoria de Marcus Atalla
Este artigo, expõe o método de como as ONGs, mascaradas de entidades civis populares, estão se infiltrando nos entes e organizações da administração pública, substituindo o controle popular democrático por interesses econômicos de bilionário internacionais e nacionais, mascaradas de organizações civis para o bem-publico e avançando o Totalitarismo-neoliberal. Assim como as ONGs do Paulo Lemann, que hoje dominam completamente o Ministério da Educação. Este artigo permanece tão atual, quanto ao ser escrito e publicado no Jornal GGN em 02/22.
Durante a sanha neoliberal do Governo Fernando Henrique Cardoso, aprovaram-se legislações promovendo uma série de rearranjos à concepção de gestão pública, entre elas, o Marco Legal do Terceiro Setor – Lei n° 9790/99. O que em teoria aumentaria a participação civil e privada no Estado através de ONGs, associações, fundações e institutos privados “sem fins lucrativos”, cujo objetivo seria promover a cidadania, bem-estar social e ações assistenciais, está se demonstrando mais um cupim neoliberal. Silenciosamente está corroendo as bases da democracia por dentro, gestando um Estado plutocrático paralelo no interior do Estado.
As ONGs, juridicamente chamadas de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OCIPs), são consideradas sociedades civis sem fins lucrativos. Constituídas por bilionários e grandes conglomerados empresariais formam uma intrincada e complexa rede de articulação nacional e internacional, interligando-se política e financeiramente. Convertem o poder econômico em político, ingerindo diretamente na governança pública em benefícios econômicos próprios (privatizações, orçamento público, reformas administrativas etc.). Substituem os movimentos sociais e populares da governança e na participação de políticas públicas.
Esse sistema de atuação não é uma criação tupiniquim, tampouco recente. O programa de humor satírico alemão, Die Anstalt, fez um esquete pedagógico, o qual demonstra a lógica por trás destas instituições “filantrópicas”. Assista legendado em português aqui.
No Brasil a equivalência à Sociedade Mont Pèlerin do esquete alemão, é a Fundação Lemann, a qual através da COMUNITAS, liga-se à BRAVE GROUPS e CHIEF EXECUTIVES FOR CORPORATE PURPOSE – que reúne mais de 200 das maiores empresas do mundo, totalizam cerca de US$ 6,6 trilhões em receitas e US$ 21,2 bilhões em investimento social (dados 2020). Ademais, há o Institute of the Future, um spin-off da RAND CORPORATION – think tank da indústria militar dos EUA e braço “civil” da CIA.
Em âmbito nacional, a COMUNITAS vincula-se às principais empresas e bancos nacionais, atuando nas políticas públicas e no gerenciamento do Estado. Em escolas de formação e ONGS, como a VETOR BRASIL, com programas de criação de líderes no setor público e o posicionamento desses nos mais diferentes órgãos e entes públicos. Ambas atuam nos Municípios e Estados corroendo as estruturas da república desde sua base.
Enquanto isso, ONGs como a RENOVABR e LEGISLA BRASIL são os braços políticos, preparam futuros candidatos a cargos eletivos. É comum, cursistas transitarem entre a Vetor Brasil, RenovaBR ou Legisla Brasil.
Comunitas – Parcerias para o Desenvolvimento Solidário (dos bilionários)
A Comunitasfoi criada em 2000 – a partir do Programa Comunidade Solidária da então primeira-dama Ruth Cardoso – e age como um fundo de investimentos, centraliza os recursos das empresas e empresários, que depois, são distribuídos entre projetos que mais lhe sejam vantajoso$.
Em 2013 criou-se o Programa Juntos, hoje atua em 6 estados – Pará, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul – e em mais de 36 municípios de diversos estados da federação. Principalmente nos entes governados por partidos neoliberais – DEM, PSDB, MDB, NOVO, PSB e suas coligações.
O nome do programa muda dependendo do estado, em Minas Gerais chama-se Coalizão Aliança (2018), a qual é formada pela Fundação Lemann, Instituto Humanize, Fundação Brava, Instituto República e colaboração da Vetor Brasil. A base da Vetor Brasil e da Comunitas são as mesmas empresas, muitos de seus proprietários fazem parte da coordenação da instituição. Uma ou outra empresa se alternam dependendo do interesse econômico na região e no setor (gestão e finanças, educação, segurança pública, saúde, economia sustentável etc.).
São as principais financiadoras: Brookfield, Cyrela, Cosan, Rede Iguatemi, Telemar, Ultra, Grupo Globo, Itaú, Mattos Filho, Grupo Pão de Açúcar, Votorantim, Grupo Gerdau, Neoenergia, Ultragaz, Usiminas, Alphaville, Ultracargo, Ambev, Vale S. A.
Outro destaque, é a Falconi Consultores de Resultado, empresa privada, atuante em consultoria e em gerenciamento. Um dos sócios é fundador do Instituto de Desenvolvimento Gerencial. A empresa é recorrentemente contratada para coordenar o Plano de Metas de municípios.
A lei que regulamenta as parcerias entre ONGS e a administração pública (lei 13019/14) institui a exigência de edital de Chamamento Público, termo de colaboração, e assim, garantir a isonomia. Todavia, tanto no Rio Grande do Sul, quanto em Minas Gerais, a colaboração com a Comunitas foi anunciada antes mesmo da posse de seus respectivos eleitos, Eduardo Leite e Romeu Zema.
A Comunitas e a Vetor Brasil alegam que por tratar-se de uma cooperação sem transferência de recursos financeiros – inciso VIII-A, art. 2° da referida lei – permite apenas um acordo de cooperação. Portanto, sem a exigência de Chamamento Público, bastando uma justificativa do governo.
Alguns juizados de primeira instância anularam vários desses acordos pela ausência de Chamamento Público. Porém, os tribunais têm anulado os efeitos suspensivos dessas sentenças. Enquanto isso, esses processos por violação aos princípios administrativos continuam correndo em sede recursal.
1 – Parceria Comunitas e Eduardo Leite – RS. (PSDB)
A cientista política Liana Nunes Coll realizou um extenso estudo sobre a Comunitas junto ao Eduardo Leite (PSDB). Desde a prefeitura de Pelotas até o governo do Rio Grande do Sul. A pesquisadora constata a relação direta do assessoramento da Comunitas e a chamada “ReformaRS”. Um pacote de ajuste fiscal, que alterou a carreira e a previdência do funcionalismo público, extingue gratificações por tempo de serviço, abono de permanência e aumento das alíquotas previdenciárias.
Em 2019, após aprovação da lei que extinguiu a exigência de plebiscito em caso de privatizações no RS, foram vendidas 3 empresas estaduais, a Companhia Estadual de Energia Elétrica, a SulGás e a Rio Grande Mineração. [Leia o estudo completo: Um governo dentro do governo].
2 – Parceira Comunitas e João Doria – SP. (PSDB): a privatização do orçamento público e informações privilegiadas
Em 2016, a Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp) recebeu uma denúncia anônima, a qual relatava estar havendo tratativas entre a reitoria da universidade e empresários no intuito de preparar a cobrança de mensalidades dos alunos. A Adusp entrou na justiça para que a Lei de Acesso à Informação fosse cumprida, chegou a pedir a busca e apreensão, pelo não cumprimento da decisão. Por fim, confirmou-se verdadeira a denúncia. Tendo como organizadoras a Comunitas, McKinsey & Company e a reitoria.
A exemplo de Eduardo Leite (PSDB), João Doria (PSDB), quando Prefeito de São Paulo, fez uma colaboração com a Comunitas em 2017. Eleito ao Governo de São Paulo, levou-a consigo. Doria privatizou o orçamento do Município de São Paulo através do Plano de Metas 2017-2020.
O vereador Eduardo Suplicy (PT) apresentou uma representação ao Ministério Público, pois a colaboração entre Comunitas, Falconi Consultoria, McKinsey & Company e a prefeitura Dória ocorreu antes do Chamamento Público.
Antes da colaboração, a Comunitas, McKinsey & Company e a Colab Tecnologia e Serviços de Internet doaram um software de gestão de projetos. No termo de doação, consta a elaboração de uma plataforma para receber sonhos e expectativas dos populares. No entanto, tal bela iniciativa, permite o repasse de informações privilegiadas para essas organizações.
Deste modo, os empresários financiadores da instituição “filantrópica” saberão quais as mudanças e em quais regiões haverão melhorias, portanto, resultariam na valorização dos imóveis. Assim, pode-se comprar propriedades, realizar construções e empreendimentos nessas áreas. Ou vendê-los antes da desvalorização.
Na colaboração foi “recomendada” que o Município cumprisse 5 macroetapas. Entre elas, a implantação de um modelo de governança, cujas metas e o planejamento dos projetos são integrados às Secretarias do EGP (Escritório de Gerenciamento de Projetos) e a SMG (Secretaria Municipal de Gestão), as quais ficam sob a coordenação e orientação metodológica da Falconi.
Na prática, não importa quais foram as decisões tomadas pela população em assembleia, quem irá decidir é a Falconi. Após a aprovação do Plano de Metas, houve várias queixas de que o Plano de Metas era completamente diferente da apresentada nas reuniões. Mais de 50 entidades solicitaram que a Prefeitura divulgasse a metodologia adotada. (leia o Acordo de colaboração na íntegra aqui).
Vetor Brasil: substituição dos concursos públicos e a criação de um Capital Cultural
A Vetor Brasil é uma OSCIP, que realoca funcionários públicos e coloca trainees nos mais diversos órgãos, secretarias e entes públicos. Antes era apenas em prefeituras e estados, hoje já atua em órgãos do Ministério Público, Advocacia Geral do Estado e Judiciário. Esses “funcionários” são nomeados em cargos comissionados e seus salários são pagos pela própria Vetor Brasil. Segundo a instituição seu objetivo é formar lideranças na gestão pública.
Criada em 2015, seguiu a mesma receita da Comunitas; mesmo porque, tem os mesmo apoiadores e cooperações. De início, parcerias com governos de partidos neoliberais, São Paulo (PSDB), Pará (PSDB), Goiás (PSDB), Salvador (DEM). No caso do Estado de São Paulo, o estado já tinha uma fundação estatal que fazia a mesma coisa que a Vetor Brasil, a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap).
A Fundap criada em 1974 foi extinta por Geraldo Alckmin em 2015, atuava nas áreas de capacitação, pesquisa e consultoria em gestão pública e administrava o Programa de Estágios no setor público. Foi encerrada no mesmo ano que Alckmin fez parceria com a Vetor Brasil e com o Centro de Integração Empresa-Escola, uma OSCIP.
Hoje a Vetor Brasil se orgulha de ter mais de 600 profissionais divididos em mais 120 órgãos públicos, parceria em mais de 40 governos e 11 líderes de gestão pública. As parcerias deixaram de ser apenas em governos neoliberais, tendo colaborações acordadas em governos como o de Flávio Dino no Maranhão (PCdoB, há época).
Seus dois projetos principais são: Programa Líderes de Gestão; para realocar funcionários públicos de carreira e criar “líderes”; e o Programa Trainee de Gestão Pública; onde pessoas das mais diferentes graduações são postas em cargos públicos.
Desde 2021, está expandindo sua área de atuação investindo no desenvolvimento de plataformas de serviços online para apoiar os governos. “Ao longo dos últimos seis anos, o Vetor trabalhou bastante com esses programas que são mais próximos dos governos e dos participantes. Percebemos que, com essa expertise, poderíamos criar produtos online com escala maior —e até alcançar o nosso sonho de atingir as prefeituras, que são os entes mais desatendidos”, afirma Joice Toyota, cofundadora e co-CEO da Vetor. (Ex-mulher de Jeff Bezos, MacKenzie Scott, investe R$ 4,2 milhões em ONG brasileira).
Em 2019, a Câmara Estadual de Minas Gerais convocou uma Comissão de Administração Pública para debater o processo seletivo para cargos comissionados (Vetor Brasil) e a participação da Comunitas no Governo Romeu Zema – Programa Transforma Minas. Várias questões foram suscitadas a partir de denúncias.
Falta de transparência, falhas e subjetividade no processo seletivo, criação de uma nova modalidade de contratação pública, recebimento de informações privilegiadas do Estado, incorporação da lógica privada no Estado, falta de Chamamento Público, um dos comissionados nomeado em um cargo de primeiro escalão na COPASA – Companhia de Saneamento de Minas Gerais (em vias de ser privatizada).
As alegações dos representantes das OCIPs é que não seria uma nova modalidade de contratação, pois é apresentada uma lista de nomes para o chefe do executivo e a escolha da nomeação é dele, portanto, não há quebra de discricionariedade.
Quanto ao motivo de candidatos que apareciam aprovados nas etapas de seleção e não apareciam nas seguintes, ou nomes não constatados, mas que eram nomeados. A argumentação da Vetor é que as etapas não são classificatórias, mas comparativas e a escolha é dos candidatos mais “aderentes”. Todos os candidatos são certificados antes do processo, portanto aptos. E os testes seriam objetivos e realizados online (várias etapas não são feitas por escrito ou testes, são por videoconferência.). Segundo a representante, o processo é analisado por funcionários da administração pública.
A Vetor Brasil faz uma seleção em 5 etapas:
1- Teste e pesquisa de crença e valores, 2- vídeo de apresentação pessoal, 3 – desafio de gestão pública, 4- código de ética e entrevista por competência, 5 – preferência e pareamento (no pareamento incide o fator Delta, que seria uma análise de indicador socioeconômico denominado, a fim de aumentar ou diminuir a nota dos avaliados).
Segundo a representante, a Vetor não faz indicações para secretariado do primeiro escalão, apenas do segundo e terceiro. O que foi refutado por um dos deputados. Quanto as denúncias de falhas no processo, estas seriam sanadas e não teria havido prejuízo aos candidatos. [Assista à Comissão Administrativa de MG aqui]
Em suma:
Não há denúncias de que essas pessoas colocadas no serviço público cometam corrupção, prevaricação ou malversações. Porém, aqui entramos no que o sociólogo Jessé Souza chama de Capital Cultural, a socialização que ajuda na produção de relações pessoais vantajosas.
Muitos cursistas fazem migração entre a Vetor Brasil, RenovaBR e Legisla Brasil. Alguns deles, após o término do período de trainee voltam as suas profissões de formação, alguns continuam na administração pública em outros cargos, outros concorrem às eleições, após passarem pela preparação política da RenovaBR e Legisla, há casos dos mais especializados irem trabalhar na Fundação Lemann.
Outro movimento que foi bem detalhado pelo GGN é o da “Porta Giratória”: profissionais oriundos do serviço público são recrutados por grandes empresas, para onde levam seu “capital burocrático” – acesso aos antigos contatos profissionais e a experiência amealhada. Por fim, vai se formando uma relação entre a Vetor Brasil, cursistas e o funcionalismo público.
Na Comissão da Assembleia de Minas Gerais, o Deputado Sávio Souza Cruz (MDB) levantou suspeitas sobre o ocorrido no Plano de Metas 2017-2020, na cidade de São Paulo, em que Bruno Shibata foi nomeado como Secretário-Executivo Adjunto na Secretaria Municipal de Gestão (SMG) durante o processo, e depois, tornou-se assessor do Partido Novo (2019).
Um Estado neoliberal com aparência de democrático
O projeto de Estado neoliberal é bem claro, a diminuição de todo poder popular, mantendo apenas a forma de democracia. O poder eletivo está sendo diminuído através do STF; que vem flexibilizando a Constituição para afastar e prender membros eleitos do legislativo; também está legislando, em muitos casos contrários a Constituição (prisão antes do trânsito em julgado, proibição de greve à Segurança Pública, privatização de partes da Petrobras etc.). Ao mesmo tempo, limita o poder do Executivo – que está sendo aceito e normalizado, pois há um Bolsonaro na presidência.
Enquanto a imprensa corporativa brasileira produz a narrativa que as eleições atrapalham a economia, pois causam insegurança e instabilidade nos mercados. Para somar, uma ingerência nas políticas públicas e na escolha dos próprios membros do funcionalismo e a substituição da participação da sociedade, por ONGs.