Autoria de Alastair Crooke, ex-analista do MI6, ex-diplomata britânico, fundador e diretor do Fórum de Conflitos, com sede em Beirute.
O Ocidente está passando por pelo menos uma, potencialmente duas, derrotas esmagadoras no momento – e então surge a pergunta: as lições serão aprendidas?
John Kerry, na semana passada no Fórum Econômico Mundial, deixou escapar claramente a verdade: “Nossa Primeira Emenda é um grande obstáculo à nossa capacidade de eliminar [a desinformação]”.
Traduzido: Governar é tudo sobre controle narrativo. Kerry articula a solução da ‘Ordem Internacional’ para o fenômeno indesejado de um populismo descontrolado e de um líder em potencial que fale pelo povo: Simplesmente, ‘liberdade de falar’ é inaceitável para as prescrições acordadas pela ‘inter-agência’ – a destilação institucionalizada da ‘Ordem Internacional’.
Eric Weinstein chama isso de The Unburdening: A primeira Emenda; gênero; mérito; soberania; privacidade; ética; jornalismo investigativo; fronteiras; liberdade… a Constituição? Desapareceu?
A narrativa desequilibrada da realidade de hoje é que o lançamento do Irã na terça-feira de 200 mísseis balísticos – dos quais 181 atingiram Israel – teria sido esmagadoramente interceptado pelos sistemas de defesa de mísseis, Iron Dome e Arrow de Israel, e sem ocasionar mortes para se mostrar. Declarou Biden que o ataque foi uma “derrota e ineficaz”.
Schryver, no entanto, um engenheiro técnico e comentarista de segurança, escreveu: “ Não entendo como alguém que viu os muitos videoclipes dos ataques de mísseis iranianos contra Israel não consegue reconhecer e admitir que foi uma demonstração impressionante das capacidades iranianas. Os mísseis balísticos do Irã destruíram as defesas aéreas dos EUA/Israel e lançaram vários ataques de grandes ogivas contra alvos militares israelenses”.
O efeito e a substância então residem na ‘capacidade comprovada’ – a capacidade de selecionar outros alvos, a capacidade de fazer mais. Foi, de fato, um ataque demonstrativo e contido, não foi um ataque total.
Entretanto, sua mensagem foi apagada das vistas.
Como é que a Administração dos EUA se recusa a olhar a verdade nos olhos e reconhecer o que ocorreu, e prefere, em vez disso, pedir ao mundo inteiro, que viu os vídeos dos mísseis atingindo Israel, para “seguir em frente” – como as autoridades aconselham, fingindo que não havia “nada substancial para se ver aqui”. Será que “o caso” foi apenas um incómodo para a governança do sistema e para o “consenso”, como Kerry classificou a liberdade de expressão?
O problema estrutural, escreve o ensaísta Aurelien, não é simplesmente que a classe ocidental se apega a uma ideologia – uma que é o oposto de como as pessoas comuns vivenciam o mundo. Esse certamente é um aspecto. Mas ao contrário, o problema maior está em uma concepção tecnocrática de política que não é “sobre” nada. Não é realmente política (como Tony Blair disse uma vez), mas é niilista e ausente de considerações morais.
Não tendo uma cultura real própria, a classe ocidental vê a religião como ultrapassada e vê a história como perigosa, pois contém componentes que podem ser mal utilizados por “extremistas”. Ela prefere, portanto, não conhecer a história.
Isso produz uma mistura de convicção de superioridade, mas aprofunda a insegurança, que tipifica a liderança ocidental. A ignorância e o medo de eventos e ideias que caem fora dos limites de seu zeitgeist rígido, eles percebem, quase invariavelmente, como inatamente hostis aos seus interesses. E em vez de procurar discutir e entender o que está fora de suas capacidades, eles usam de menosprezo e de assassinato de caráter para remover o incômodo.
Deve ficar claro para todos que o Irã se enquadra em todas as categorias que mais excitam a insegurança ocidental: o Irã é o ápice de tudo que é inquietante: ele tem uma profunda cultura e um legado intelectual que é explicitamente “diferente” (embora não em desacordo) com a tradição ocidental. Essas qualidades, no entanto, relegam o Irã a ser irrefletidamente categorizado como inimigo da gestão da “Ordem Internacional”; não porque seja uma “ameaça”, mas porque “perturba” o alinhamento na narrativa da Ordem baseada em Regras dos EUA.
Isso é importante?
Sim, isso é importante, porque torna altamente problemática a capacidade do Irã de se comunicar efetivamente com o alinhamento ideológico da Ordem Internacional.
O Ocidente buscou e pressionou por uma resposta do Irã, mesmo sendo uma resposta mitigada – primeiro após o assassinato de um general iraniano e seus embaixadores no Consulado Iraniano em Damasco por Israel em abril.
O Irã foi obrigado e lançou drones e mísseis em direção a Israel em 13 de abril de tal maneira a enviar uma pequena (pré-avisada) mensagem demonstrando sua capacidade, mas não o suficiente para levar a uma guerra total (como solicitado pelo Ocidente).
Após o assassinato israelense do lider palestino, Ismail Haniyeh (um convidado de Teerã que participava da posse do novo presidente iraniano), os Estados ocidentais mais uma vez imploraram ao Irã que se abstivesse de qualquer retaliação militar contra Israel.
O novo presidente iraniano disse publicamente que autoridades europeias e americanas ofereceram ao Irã a remoção substancial de sanções à República Iraniana e um garantido cessar-fogo em Gaza, de acordo com os termos do Hamas – se não houvesse um ataque de retaliação iraniano a Israel.
O Irã conteve o fogo, aceitando parecer fraco para o mundo exterior (pelo que foi duramente criticado). No entanto, a ação ocidental chocou o novo presidente inexperiente, Pezeshkian:
“Eles (os estados ocidentais) mentiram”, nenhuma das promessas que fizeram foi cumprida, disse Pezeshkian.
Para ser justo com o novo presidente reformista, o Irã enfrentou um dilema real: esperava seguir uma política de contenção para evitar uma guerra prejudicial. Esse é um lado do dilema; mas o outro lado é que essa contenção pode ser mal interpretada (talvez maliciosamente) e usada como pretexto à escalada militar. Em suma, ‘queira ou não; a guerra está chegando ao Irã’ por iniciativa do outro lado.
Então, seguiu-se o “ataque de pager” e os assassinatos da liderança do Hezbollah, incluindo a figura icônica de seu líder, Seyed Hassan Nasrallah, em meio a enormes mortes colaterais de civis. A Administração dos EUA (Presidente Biden) disse simplesmente que isso era “justiça” sendo feita.
E mais uma vez, o Ocidente importunou e ameaçou o Irã contra qualquer possível retaliação contra Israel. Mas, nesta ocasião, o Irã lançou um ataque de míssil balístico mais eficaz, embora um que deliberadamente não mirou na infraestrutura econômica e industrial de Israel, ou no povo israelense, focando em vez disso em locais militares e importantes de inteligência. Foi, em suma, um sinal demonstrativo — embora com um componente eficaz de infligir danos em bases aéreas e locais militares e de inteligência. Foi, mais uma vez, uma resposta limitada.
E para quê?
Para uma zombaria aberta do Ocidente de que o Irã estava dissuadido/muito assustado/muito dividido para responder totalmente. Na verdade, os EUA – sabendo bem que Netanyahu está procurando o pretexto para a guerra com o Irã – ofereceram a Israel seu apoio total para uma grande retaliação contra o Irã: “Haverá consequências severas por este ataque e trabalharemos com Israel para fazer isso”, disse Jake Sullivan. “ Não se enganem, os Estados Unidos apoiam totalmente, totalmente, totalmente Israel”, disse Biden.
A moral da história é clara: o presidente Pezeshkian foi “manipulado” pelo Ocidente – sombras da deliberada “enganação de Minsk” feito pelo Ocidente ao presidente Putin; sombras também da facada nas costas do Acordo de Istambul II. A contenção que a Ordem Internacional insiste, é transmitida invariavelmente como “fraqueza”.
A ‘classe profissional permanente’ do Deep State evita qualquer base moral. Ela faz do seu niilismo uma virtude. Talvez o último líder capaz de uma diplomacia real, que me vem à mente, foi JFK durante a Crise dos Mísseis Cubanos e em suas subsequentes negociações com os líderes soviéticos. E o que aconteceu? … Ele foi morto pelo sistema.
Claro, muitos estão bravos no Irã. Eles perguntam se o Irã projetou fraqueza muito prontamente, e questionam se essa manifestação contribuiu de alguma forma para a prontidão de Israel em atacar o Líbano tão implacavelmente e sem limitações, como o modus operandi aplicado em Gaza. Relatórios posteriores sugerem que os EUA tinham nova tecnologia de informações, a qual Israel não dispunha, com a localização do paradeiro de Sayyed Nasrallah, e forneceram a Israel, o que levou ao seu assassinato.
Se o Ocidente insiste em menosprezar a contenção iraniana – atribuindo erroneamente a contenção à impotência – a ordem mundial europeia e norte-americana é capaz de alguma vez analisar friamente a realidade? Eles podem fazer uma avaliação sólida das consequências caso Israel lance guerra contra o Irã? Netanyahu deixou claro que esse é o objetivo do governo israelense – guerra com o Irã.
A percepção errônea e arrogante de um adversário, e a percepção errônea de suas forças ocultas, é frequentemente a precursora de uma guerra mais ampla (1ª Guerra Mundial). E Israel está inundado de fervor pela guerra e para estabelecer sua ‘Nova Ordem’ para o Oriente Médio.
A Administração Biden está ‘mais do que disposta’ – colocando o ‘revólver na mesa’ – para que Netanyahu o pegue e dispare, enquanto Washington finge ficar alheio ao ato. O alvo final de Washington é, claro, a Rússia.
Que na área diplomática não se deve confiar no Ocidente é compreensível. Na moral da história, no entanto, tem implicações mais amplas. Como exatamente, em tais circunstâncias, a Rússia pode pôr fim ao conflito na Ucrânia? Parece que muitos mais morrerão desnecessariamente, simplesmente por causa da rigidez do unipartido americano e sua incapacidade de “fazer” diplomacia.
Assim como muitos outros ucranianos pereceram desde que o processo de Istambul II foi destruído. O Ocidente está no meio de pelo menos uma, potencialmente duas, derrotas esmagadoras no momento – e então surge a pergunta: As lições serão aprendidas? As lições certas podem ser aprendidas? A classe da ordem mundial sequer aceita que há lições a serem aprendidas?
Publicado em Strategic-culture.