A situação atual pós-derrubada do governo Assad na Síria é de tamanha calamidade e barbárie que o jornalista Pepe Escobar escreveu com poucas horas de diferença duas matérias seguidas, algo inusual. O final da existência do país-civilização outrora chamado Síria, também poderá resultar no mesmo fim para o Líbano, Gaza e Cisjordânia, e seus respectivos povos.
Israel que estava perdendo a guerra contra o Eixo da Resistência – guerra provocada por si mesma ao genocidar o povo palestino, colecionava derrotas e crise econômica até a tomada da Síria pelos salafistas-jihadistas – financiados por Washington e Tel Aviv desde 2009 – virou à mesa e agora avança para rachar o território libanês e expurgar os palestinos, os quais não conseguirão sobreviver sem alimentos e medicamentos enviados pelas linhas logísticas do sul da Síria e Líbano, restando aos sobreviventes tentar fugir para o Sinai no Egito ou à Jordânia.
Ambas as matérias de Pepe Escobar são independentes entre si, mas recomenda-se ler a primeira publicada ontem aqui [Post-mortem da Síria: Terror, ocupação e a Palestina].
Autoria Pepe Escobar, jornalista veterano independente brasileiro, autor e analista especialista em geopolítica. Colaborou com dezenas de veículos de imprensa nos EUA, Europa e Ásia.
Morte de uma nação: Black flags salafistas-jihadistas, massacres, grilagem de terras enquanto abutres se alimentam da carcaça da Síria
O modus operandi padrão do Hegemon é sempre Dividir para Governar. Encurralados pela ascensão inexorável da realidade multinodal (itálico meu), eles viram uma abertura para uma reinicialização imperial, apostando tudo no estabelecimento do “Grande Oriente Médio” delineado ainda durante a era Cheney.
O eixo de ferro dos straussianos neocons e os sionistas neocons psicopatas do Velho Testamento em Tel Aviv está obcecados e sem restrições em destruir o Eixo da Resistência, usando sua rede transnacional de assassinos sangrentos para estender o caos e a guerra civil sectária por toda a Ásia Ocidental. Ao longo desse cenário ideal, eles sonham em atingir mortalmente a cobra na cabeça: o Irã.
O sultão Erdogan, desempenhando o papel de bode expiatório útil, proclamou: Um “período brilhante” para a Síria começou.
De fato. Um período brilhante para os Decepadores de Cabeças Black Flags, os bombardeiros de Tel Aviv e os grileiros – alimentando-se da carcaça da Síria.
Os assassinos psicopatológicos do Antigo Testamento, por meio de mais de 350 ataques, destruíram totalmente toda a infraestrutura militar do antigo Exército Árabe Sírio (SAA): fábricas de armas, munições, bases, caças, incluindo a base aérea de Mezze em Damasco, sistemas antinavio russos, os próprios navios (em Latakia, perto da base naval russa) e posições de defesa aérea.
Em poucas palavras: esta é a combinação OTAN/Israel desmilitarizando a antiga Síria – sem nem mesmo um pio de ninguém do mundo árabe e das terras do islão, começando pelos assassinos do Black Flag que tomaram Damasco.
Some isso à invasão/apropriação de terras, marca registrada de Israel, e Tel Aviv declarando oficialmente a anexação definitiva do Golã — que legalmente pertence à Síria e cuja restituição foi exigida pela ONU após a guerra de 1967.
A blitzkrieg psicológica do Antigo Testamento
Paralelamente, a aviação turca bombardeou a antiga base russo-síria em Qamishli, no extremo nordeste. O pretexto: impedir que armas fossem tomadas por curdos apoiados pelos EUA e tribos árabes variadas. Para os russos, isso pode não ter sido um grande problema – pois houve tempo suficiente para evacuar ativos preciosos do leste do Eufrates.
A Rússia deu asilo ao formidável, e crucialmente incorruptível, Suheil al-Hassan – hoje um sério candidato ao maior estrategista e tático militar do mundo. Os russos apostaram nele já em 2015 – e providenciaram sua segurança pessoal. Ninguém na Síria gostava de guarda-costas russos – nem mesmo Assad. Al-Hassan foi o único comandante que de fato venceu batalhas durante os 10 dias da Queda da Síria.
Em meio a uma torrente de desgraça e melancolia, o que está acontecendo, rapidamente como um raio, é a OTAN/Israel se alimentando da carcaça e dividindo uma nação morta por um bando de idiotas e fantoches úteis – de falsos salafistas-jihadistas a acordados curdos americanizados. Obviamente, com um QI coletivo menor do que qualquer temperatura ambiente impede que essa multidão perceba estar lutando pelo mesmo Suserano.
Os capangas de Tel Aviv avançaram com sua blitzkrieg pelo interior de Damasco e podem estar a apenas 15 km ao sul da capital; uma manobra clássica do Lebensraum, parte de seu projeto colonial, juntamente com a obtenção de máxima penetração pelo flanco libanês.
Isso é absolutamente crucial e extremamente preocupante para o Eixo da Resistência: agora todo o sul do Líbano está exposto a um ataque massivo de ocupação israelense, já que as planícies férteis entre Chtoura, no vale de Beqaa, e Aanjar, não apenas contêm recursos naturais preciosos, mas também fornecem uma rota direta para Beirute.
Escorpiões se voltam uns contra os outros
Paralelamente, Black Flags tomaram Damasco. Há massacres em todo o espectro – incluindo líderes religiosos e cientistas, mas principalmente ex-oficiais do Exército, ex-membros da contra-espionagem síria, até mesmo civis acusados de serem ex-militares.
Sua Eminência, Sheikh Tawfiq al-Bouti, filho do famoso sheikh Muhammad Said Ramadan al-Bouti, um antigo imã da venerável mesquita Omíada, foi assassinado em sua madrassa em Damasco.
Os escorpiões estão previsivelmente se voltando uns contra os outros; gangues terroristas rivais da Hayat Tahrir al-Sham (HTS) exigem que os capangas de Julani libertem seus membros presos no Grande Idlibistão e agora ameaçam atacar o HTS.
Em Manbij, terroristas apoiados pelos turcos matam abertamente curdos-americanos em hospitais. O norte e o nordeste da Síria estão atolados de feridos numa anarquia total.
Tribos que se recusam a aceitar os curdos-americanos e seu projeto de Estado comunista-secular, e também se recusam a se juntar à rede terrorista salafista-jihadista apoiada pelos turcos, agora são rotuladas como “ISIS” e são devidamente bombardeadas por caças dos EUA. Algumas podem de fato ainda ser ISIS: elas eram, antes do outono de 2017, e ainda há remanescentes cripto-ISIS vagando pelo deserto.
O exército russo posicionou seus navios a 8 km de distância da base naval de Tartus. Isso não fornece segurança total – porque eles ainda podem ser alcançados por drones e artilharia, bem como por pequenos barcos.
Para a aviação em Hmeimim, isso é ainda mais complicado. Moscou já enviou uma mensagem clara: se a base for tocada, o retorno será devastador. O HTS, por sua vez, tem se concentrado principalmente na ocupação de Latakia. O futuro das bases russas continua um mistério: isso dependerá de uma negociação direta e espinhosa entre Putin e Erdogan.
Julani, o novo califa de fato de al-Sham, não se tornará líder neste estágio inicial, porque ele assusta até a morte a maioria dos sírios, independentemente de sua mega-roteirizada conversão consciente pela “estrada para Damasco”.
Ele será autoproclamado “chefe militar”. Um fantoche designado – Mohammed al-Bashir – conduzirá a “transição” até março de 2025. É virtualmente certo que al-Bashir será abominado por praticamente todas as facções. Isso abrirá caminho para o arrependido decapitador Julani dar um golpe e tomar poder ilimitado.
Foi na Síria, em Antioquia, uma das cidades mais formidáveis do Império Romano, que os discípulos de Jesus foram denominados “cristãos”, do grego christianos. Antioquia foi reduzida à pequena cidade de Antakya, como parte da Turquia. O sultão Erdogan sonha com Aleppo também como parte da Turquia.
O grego era a língua deste canto do Império Romano: o latim era usado apenas pelos ocupantes – militares e administrativos.
A igreja liderada pelo patriarca de Antioquia se desenvolveu por toda a Síria até o Eufrates.
O Ocidente coletivo se levantará para defender os cristãos sírios restantes quando os Black Flags vierem para purgá-los – como fará? Claro que não farão. O Ocidente coletivo continua se regozijando com o fim do “ditador” enquanto os Black Flags e os abutres do Velho Testamento encenam seu Baile de Vampiro sobre o cadáver de uma nação.
Publicado em Strategic-culture.