O pesquisador independente sueco, Greg Simons, publica seu estudo demonstrando e definindo as mídias como ativos nas relações internacionais e seu crescente uso como arma de guerra pelo Ocidente encabeçado pelos EUA. No Brasil, esse uso informacional e conhecimento, ficou conhecido como Jornalismo de Guerra referindo-se a imprensa mainstream brasileira ou de forma geral como Guerra Híbrida, pela influência dos estudos de Andrew Korybko.
Pela indefinição precisa do termo Guerra Híbrida, alguns renomearam como Guerra Informacional, termo esse usado algumas vezes pelo pesquisador no estudo a seguir. Porém, convencionou-se a definir, e assim consta nos manuais da OTAN, como Guerra Cognitiva. O controle da informação nas guerras é histórica, entretanto, a atual Guerra cognitiva tem técnicas muito mais avançadas e desenvolvidas do que a propaganda do século XX.
Baseia-se nas teorias da Guerra Neocortical de Richard Szafranski (1994), interferência no Ciclo ODDA de Boyd através do uso de operações psicológicas, não apenas contra militares inimigos, mas tendo como alvo as populações civis em massa, tanto a população do inimigo quanto a sua própria, causando-as disrupções e dissociações cognitivas, até mesmo uma engenharia social. Segundo essas doutrinas de Guerra de 4º Geração, o objetivo a ser conquistado nas guerras e no campo de batalha deixam de ser territórios e passam a ser a mente humana.
Rise of Front and Proxy Media in 21st Century International Relations
Autoria Greg Simons, pesquisador independente sueco, doutor pela Universidade de Canterbury (Nova Zelândia), atualmente é analista no Centro de Estudos de Ameaças Assimétricas (CATS) na Universidade de Defesa Sueca, pesquisador no Centro de Estudos Russos e Eurasianos de Uppsala (UCRS).
Segundo o pesquisador, estamos é um dos pontos mais críticos da história recente, em um momento de definição que pode determinar a diferença entre a vida e a morte das nações e civilizações como as conhecemos hoje. A ordem geopolítica global está passando por uma transformação massiva e abrangente, em um ritmo crescente, está se afastando da Ordem Unipolar liderada pelos Estados Unidos, centrada no Ocidente, em direção a uma Ordem Multipolar não centrada no Ocidente.
Em seu declínio, a Ordem Unipolar está perdendo sua capacidade de coagir e forçar a comunidade internacional a fazer o que ela diz, não que ela tenha parado de tentar fazê-lo. Novas maneiras estão sendo buscadas para tentar regular e manipular a geopolítica para sua vantagem relativa, meios menos custosos e mais indiretos de influenciar o ambiente operacional das relações internacionais. Isso requer uma escolha cuidadosa de recursos e estratégias usadas para alavancar pontos fortes aparentes sobre fraquezas reais.
Recursos tangíveis e intangíveis
Existem diferentes classes de recursos disponíveis para atores em relações internacionais, que podem ser usados para acumular e projetar poder e influenciar outros atores dentro da zona de interesses e operações. Elementos tangíveis e intangíveis são recursos essenciais e complementares de influência e poder. Por um lado, estão os chamados recursos tangíveis, que podem ser tocados e vistos, que podem incluir: tamanho da população, tamanho da economia, poder militar, capacidade e aptidão industrial, clima, território, relevo e geologia. Esses elementos podem ser vistos e experimentados pelo público. Elementos intangíveis são aqueles recursos que não podem ser vistos ou tocados, mas exercem influência no nível de eficiência ou ineficiência dos ativos tangíveis e incluem: crença na liderança política e militar, nível de senso de pertencimento e patriotismo do grupo e seu propósito, marca e reputação de um país ou entidade (sua política, cultura, pessoas, militares). Ativos e recursos tangíveis estão localizados e operam no mundo físico, enquanto ativos e recursos intangíveis estão localizados e operam nos mundos informativo e cognitivo.
“A capacidade de acumular e projetar poder e influência nas relações internacionais pode ser tentada em diferentes espaços e ambientes”.
Quinta Dimensão da Estratégia e Relações Internacionais
Em termos da capacidade de um ator de acumular e projetar poder nas relações internacionais, há cinco dimensões estratégicas disponíveis. Quatro dessas dimensões de estratégia são tangíveis por natureza e uma é naturalmente intangível. As quatro primeiras dimensões tangíveis da estratégia incluem: 1) terra, 2) água, 3) ar e 4) espaço. A dimensão intangível é a quinta: a informação e o conhecimento.
A 5ª dimensão intangível da estratégia pode e influencia efetivamente a eficácia ou a falta de, das quatro dimensões precedentes, quando empregadas em um ambiente operacional. As pessoas, incluindo formuladores de políticas e profissionais, agem com base no que pensam saber e entender (é um consenso comum) do ambiente operacional que lhes é comunicado, mesmo quando essas informações e conhecimento são enganosos, falsos ou mentirosos. A quinta dimensão da estratégia é uma forma de projeção de poder não cinético (físico) que é relativamente fácil de empregar, menos custoso e arriscado (em caso de retaliação) para usar contra um alvo do que a projeção de poder militar cinético.
O valor geopolítico da informação e do conhecimento
Afastando-se do mundo teórico da academia pura, a geopolítica em seu sentido prático busca regular e gerenciar os pontos fortes, fracos, oportunidades e ameaças presentes no ambiente operacional das relações internacionais para a melhor vantagem possível para si mesmo, ao mesmo tempo em que busca impor custos e riscos para o oponente/concorrente. É uma forma de esforço de empilhamento de cartas para criar um campo de jogo desigual que beneficie o criador. Isso é feito organizando uma percepção da realidade que beneficie os interesses e a agenda do comunicador. No contexto atual de uma ordem geopolítica global em transformação, o uso da quinta dimensão da estratégia é uma tentativa de tentar e arquitetar um consenso que leve à conformidade (ortodoxia do conhecimento) sobre eventos, tendências e processos em andamento nas relações internacionais do século XXI .
Como resultado da inovação e desenvolvimento tecnológico, há duas partes diferentes que estão interconectadas e interrelacionadas com a quinta dimensão da estratégia: a humana (cognitiva) e a tecnológica (informação). Ambas têm efeitos disruptivos no público-alvo, os aspectos humanos são não cinéticos e subversivos (no reino cognitivo), enquanto a tecnológica tende a também ser não cinética e destrutiva (para as instalações e equipamentos).
Por exemplo, a RAND tem refletido recentemente sobre o papel da Inteligência Artificial na geopolítica. O foco desta peça, no entanto, está no alvo humano e nos efeitos cognitivos por meio do uso de comunicações abertas por meio de ativos de mídia de massa, empregando às vezes uma forma indireta e secreta de propaganda cinza-negra.
- Propaganda branca – vem de uma fonte identificada corretamente, e as informações na mensagem tendem a ser precisas… Embora o que os ouvintes ouvem seja razoavelmente próximo da verdade, é apresentado de uma maneira que tenta convencer o público de que o remetente é o ‘cara legal’ com as melhores ideias e ideologia política.
- Propaganda negra – é creditada a uma fonte falsa e espalha mentiras, invenções e enganos.
- Propaganda cinza – está em algum lugar entre a propaganda branca e a propaganda negra. A fonte pode ou não ser identificada corretamente, e a precisão da informação é incerta.
Front Mídia (de fachada) e Mídia Proxy (por procuração)
Os conceitos de front e proxy requerem algum esclarecimento por meio de definição como um passo inicial. Front mídia é derivado do termo front group, que é uma forma de lobby que esconde seus verdadeiros objetivos e propósitos, frequentemente sob uma fachada inocente como sendo ‘independente’ e com ‘boas’ intenções.
“Nesse caso, a mídia de front – fachada – tende a esconder qualquer propriedade, interesse ou influência do cliente que dita ao meio de comunicação, o que implica no uso direto e secreto da mídia de fachada para preparar o campo de batalha informacional para favorecê-lo”.
Esses aspectos são deliberadamente obscuros ou escondidos para apresentar a fachada de ‘notícias objetivas’ sem qualquer conflito de interesses, é mais provável que sejam confiáveis e acreditadas pelo público-alvo. Exemplos históricos de mídia de fachada incluem a Radio Liberty e a Radio Free Europe, que eram ativos da CIA durante a Guerra Fria.
O conceito de mídia proxy é derivado da ideia e prática de guerra por procuração, pois são um componente-chave das guerras de informação contemporâneas, que estão relacionadas ao uso indireto e secreto de veículos de mídia de massa para promover os objetivos e metas (geo)políticos do patrocinador. Embora não haja propriedade direta de ativos de mídia, outras conexões existem por meio do uso de incentivos financeiros ou parentesco ideológico, por exemplo. A Operação Mockingbird foi um exemplo histórico, onde os EUA plantaram histórias na mídia de massa que favoreciam seus interesses e agenda.
- A Operação Mockingbird foi uma operação secreta de propaganda pró-Estados Unidos pela CIA. Em 1967, a CIA canalizou imensa quantidade de dinheiro na National Student Organization para através de festivais e outros eventos usar os estudantes americanos médios.
A missão e a intenção da mídia de fachada e proxy são operações de informação, falando vagamente, pretendem influenciar o público a projetar sua percepção e consentimento para aceitar uma certa representação subjetiva de pessoas, lugares, eventos, tendências e processos em relações internacionais que favoreçam cognitivamente a agenda geopolítica Ocidental liderada pelos EUA. Sua função é a comunicação de informações ao público para influenciar seu pensamento e comportamento.
Outros ativos de informação e conhecimento também existem no arsenal da guerra de informação, com diferentes funções e resultados. Pode-se dizer que estes têm a intenção de agir como um guardião para regular o fluxo e a aceitação de informações e conhecimento. Tais ativos incluem agência de ‘verificação de fatos’ cujo papel é aumentar a eficiência da comunicação e o efeito das mensagens de seu lado, ao mesmo tempo em que negam os pontos de vista opostos e dissidentes. Isso pode ser feito atacando a natureza da mensagem (‘misinformação’ ou ‘desinformação’ etc.) e/ou atacando o mensageiro para destruir sua reputação e, portanto, credibilidade.
O processo e o fim do jogo?
A ordem unipolar dos EUA se viu cada vez mais presa em um estado de declínio relativo, onde seus recursos tangíveis usados para projeção de poder e influência estão perdendo sua capacidade e potencial. Essa situação exigiu recorrer a recursos intangíveis como um meio de encontrar soluções para a erosão de seu poder e hegemonia global. Parece envolver a tentativa de obstruir a ascensão global, regional e local de outros atores e blocos de atores (amigos ou inimigos) e também tentar projetar uma fachada de poder ocidental que busca intimidar rivais de perseguir seus próprios interesses.
“Isso deve ser alcançado por meio do ato de tentar usar a linguagem para definir “fatos” e “realidades” no reino físico por meio do reino da informação, que por sua vez formam a base da engenharia da percepção construída da “realidade” entre públicos globais, o que nós impacta como indivíduos, como grupos, como nos relacionamos e respondemos aos estímulos em nosso ambiente de informações derivados da mídia de fachada e proxy”.
Um dos fatores que está impulsionando o aumento do uso e da dependência da mídia de fachada e proxy é o rápido declínio do nível de confiança e crença da mídia convencional ocidental e da política estabelecida. O que antes era um trunfo em tempos de grande confiança, agora evoluiu para um ônus (geo)político, daí as tentativas de influenciar e manipular através de meios abertos de comunicação, cuja urgência aumenta devido pelo declínio da hegemonia Ocidental.
Claro, isso não é nada novo historicamente. Em períodos de competição e conflito geopolítico maiores e mais intensos, há uma necessidade de dominar o campo de batalha físico e informativo. Muito do que foi descrito acima em termos de mídia de fachada e proxy ocorreu na Primeira Guerra Mundial por meio do Comitê de Informação Pública dos EUA sob o muito capaz propagandista George Creel. Onde os EUA pretendem aumentar a atividade das tropas, eles começam aumentando a atividade da mídia para pavimentar o caminho informacional e cognitivo para a nova ‘realidade’ física que está por vir.
No contexto atual, os formuladores de políticas e praticantes ocidentais tomaram um caminho ideológico autodestrutivo e profundamente delirante, sem a capacidade e a expertise profissional do passado. As contradições e dissonâncias na campanha de guerra de informação contra a crescente ordem multipolar não ocidental provavelmente fracassará no final, mas ao longo do caminho têm o potencial de criar perturbação e caos levando a uma eventual autodestruição do próprio Ocidente.