Autoria, Valentin Vasilescu, ex-oficial militar da Força Aérea Romena.
A mídia ocidental apresenta apenas a “verdade” do Ocidente. Para compreender melhor os escombros da guerra ucraniana, precisamos ver a “verdade” tal como a Rússia a vê.
O programa Nunn-Lugar para a eliminação dos arsenais nucleares e químicos da Federação Russa levou a uma situação em que o número de bombardeiros de longo alcance foi reduzido para 39% da composição anterior. Os russos acordaram com 58% menos ICBMs – Míssil balístico intercontinental e 80% menos mísseis em submarinos.
À medida que os militares russos enfraqueciam, aumentava a possibilidade de um ataque surpresa americano à Federação Russa. Os Estados Unidos testaram tal cenário durante a crise jugoslava de 1999. Os EUA estão na região para pressionar a Rússia, o Irã e a China. Este se tornou o objetivo da presença militar americana ao longo ou de quase toda a longitude da “matriz” meridional da Rússia.
“Pretendemos empurrar a expansão garganta a baixo da Rússia porque Moscou é fraca e, a propósito, eles terão de se habituar a isso”. Foram estas as palavras de Bill Clinton numa entrevista de 2008 ao The New York Times.
Contudo, um passo importante foi a criação da organização GUAM (Geórgia, Ucrânia, Azerbaijão, Moldávia) em 24 de Abril de 1999, durante a cimeira da OTAN em Washington. O objetivo desta organização era opor-se aos países da CEI (Comunidade de Estados Independentes) , forçá-los a distanciar-se da Rússia e, conforme consagrado na declaração adotada na cimeira. A fim de se integrarem nas estruturas europeia (UE) e euro-atlântica (OTAN), o bloco tornou-se mais ativo depois que V. Yushchenko chegou ao poder na Ucrânia e M. Saakashvili na Geórgia.
Após a Cimeira do GUAM em Chisinau (Abril de 2005), o bloco assumiu o seu papel de catalisador das “revoluções coloridas” no espaço pós-soviético. Na Cimeira seguinte da GUAM, em Kiev (maio de 2006), o bloco recebeu um novo nome: “Organização para a Democracia e o Desenvolvimento”, dependência da Rússia, preparação para a entrada dos seus membros na OTAN e garantir a segurança do corredor para abastecimento de recursos energéticos para os mercados europeus, passando pela Rússia: “Ásia Central – Transcaucásia – Ucrânia”.
Em termos político-militares, os participantes do GUAM assumiram a tarefa de expulsar as forças armadas russas de seus territórios (Moldávia, Ucrânia). Em 2007, a Federação Russa retirou as suas bases da Geórgia e o GUAM posicionou-se como um centro de forças militares de cooperação-técnica, que se manifestou fornecendo armas ucranianas à Geórgia em 2006-2008 e os Estados Unidos prestaram apoio técnico militar à GUAM. Os membros diferem fortemente no nível de desenvolvimento econômico, na natureza dos regimes políticos, no grau de desenvolvimento das sociedades civis e das classes políticas. A Moldávia, a Ucrânia, a Geórgia e o Azerbaijão estão unidas por problemas de separatismo e relações instáveis com a Rússia.
Os participantes do bloco têm as suas próprias estratégias para desenvolver relações com a Federação Russa, o que afeta negativamente o caráter monolítico do bloco. Através do GUAM, os Estados Unidos procuraram empurrar a Rússia da sua posição central no espaço pós-soviética e se sentarem na cadeira de Moscou. Após agosto de 2008, o GUAM encerrou as operações e em maio de 2009, a UE, com o apoio dos Estados Unidos e da OTAN, por iniciativa da Suécia e da Polônia, lançou o Programa de Parceria Oriental da UE para os países ocidentais pós-soviéticos. A Parceria Oriental, que incluía o Azerbaijão, a Arménia, a Bielorrússia, a Geórgia, a Moldávia e a Ucrânia, foi a sucessora de fato do bloco GUAM.
Sem a Ucrânia, a Rússia deixou de ser uma potência eurasiana. “A Ucrânia é um alvo notável, se o Ocidente tiver de escolher entre uma Ucrânia democrática e uma Ucrânia independente, a nossa posição terá de ser determinada não por considerações democráticas, mas por interesses estratégicos”, afirmara Z.Brzezinski, 1997.
Para reforçar a sua presença na Ásia Central e no Cáucaso, os Estados Unidos utilizaram o conflito de Nagorno-Karabakh sob o pretexto de promover reformas nas forças armadas do Azerbaijão. Nas academias militares da Turquia (país membro da OTAN), 4.000 oficiais médios e superiores do exército do Azerbaijão participaram de diversas sessões de treino.
Os exercícios militares conjuntos entre a OTAN e a Geórgia começaram em 1997, foram realizadas 130 operações conjuntas só em 1998 e, entre 1998 e 2001, a Geórgia recebeu assistência militar no valor de 720 milhões de dólares. Em 1999, aproximadamente 200 soldados das unidades de operações especiais americanas “Boinas Verdes” chegaram ao Uzbequistão para treinar tropas no Uzbequistão.
Embora tudo isto tenha sido apresentado como “proteção do petróleo do Cáspio”, na realidade foi uma consolidação militar e econômica direta dos EUA na região. O Mar Cáspio deixou de ser um lago interior para a Rússia e o Irã, sendo acrescentados o Azerbaijão, o Cazaquistão e o Turquemenistão. As contradições dentro dos “5 Cáspios” intensificaram-se em torno da riqueza de matérias-primas, recursos biológicos e segurança marítima.
Aproveitando o estado instável do Mar Cáspio, os Estados Unidos intensificaram a sua política na região, propondo a sua própria visão de futuro para a região, na qual o papel de Teerã e Moscou foi minimizado. No início da década de 1990, o elemento-chave para o Ocidente em direção do Mar Cáspio era a questão do petróleo. As empresas americanas e europeias reuniram grupos nas novas repúblicas do Cáucaso e da Ásia Central, elogiando as perspectivas do Mar Cáspio como uma das poucas áreas subdesenvolvidas de produção global de petróleo e gás.
De 1993-1994 assinaram os primeiros grandes contratos com o Cazaquistão (Tengizchevroil) e o Azerbaijão (Contrato do Século). O movimento corporativo na região foi amplamente apoiado pela administração Bill Clinton. O estímulo ao interesse comercial das empresas ocidentais, das agências governamentais, da imprensa e da comunidade de especialistas nos EUA espalhou previsões infladas sobre a concentração de reservas de petróleo no Mar Cáspio, comparando-as aos recursos do Golfo Pérsico.
Como se descobriu mais tarde, elas foram feitas sem os estudos geológicos necessários e foram posteriormente refutadas. Hoje, é claro que há muito menos petróleo na região do Cáspio do que as previsões otimistas previam – segundo as estimativas ocidentais em 2014 haveria 15% ou mais, hoje as reservas mundiais comprovadas na região são cerca de 2,3-2,4%.
Mas em meados da década de 1990, a Casa Branca tomou essas medidas, talvez não tanto para expandir o acesso às matérias-primas estratégicas, mas para o “distanciamento” das repúblicas do Cáspio de Moscou, aproveitando as tendências centrífugas que varreram o espaço pós-soviético.
Com promessas de grandes investimentos ocidentais, o estabelecimento de novos Estados independentes criou a ilusão de que era desejável romper os laços de cooperação com a Rússia. Ao mesmo tempo, a questão dos canais de transporte dos hidrocarbonetos produzidos no mercado externo foi levada para além dos interesses comerciais das empresas americanas, tornando-se um instrumento da luta geopolítica dos EUA.
Em meados da década de 1990, a análise e o desenvolvimento da política energética dos EUA na região do Cáspio foram confiados ao Conselho de Segurança Nacional. A coordenação dos departamentos dos EUA foi confiada ao Conselheiro Especial do Presidente e Secretário de Estado para a Diplomacia Energética na Bacia do Cáspio.
Como resultado, a política externa dos EUA centrou-se na criação do chamado Corredor Energético Sul – um sistema de gasodutos que permitiria as exportações de petróleo e gás do Mar Cáspio contornando o território da Rússia e do Irã, ao longo da rota “Ásia Central – Mar Cáspio – Cáucaso – Turquia”.
No interesse da implementação desta estratégia, os Estados Unidos conseguiram atrair países da UE como aliados, juntar os seus projetos aos lançados em 1993-1995 (programas europeus de infra-estruturas TRACECA e INOGATE) e difundir amplamente teses sobre a necessidade de diversificar o fornecimento de energia para a Europa.
Em Novembro de 2009, o Conselho de Energia EUA-UE foi criado para coordenar esforços entre Washington e Bruxelas. A Turquia interessada nas receitas pelo trânsito e no fornecimento de energia alternativa, juntou-se à Casa Branca. Com o apoio da Europa, Washington implementou parcialmente os planos traçados em meados da década de 1990, foram lançados dois oleodutos (Baku-Supsa em 1999 e Baku-Tbilisi-Ceyhan, BTC) em 2006, bem como o gasoduto do Sul do Cáucaso (Baku-Tbilisi-Erzurum em 2007).
A seção caucasiana da “Costa Sul” foi colocada em operação, ligando os campos de petróleo e gás do Azerbaijão com a Turquia. Agora, para completar um projeto geopolítico de grande escala, os Estados Unidos tiveram de construir um oleoduto e, se possível, um gasoduto (Nabucco) que ligasse a Ásia Central ao Cáucaso, ao longo do fundo do Mar Cáspio. Aqui ocorreu uma ruptura devido ao fato das principais reservas de petróleo não estarem no Azerbaijão (1 bilhão de toneladas), como os americanos esperavam, mas no Cazaquistão (3,9 bilhões de toneladas). O BTC, com capacidade planejada de 50 milhões de toneladas por ano, foi utilizado em apenas 60% de sua capacidade, mesmo em um período de altos preços dos hidrocarbonetos.
Ao mesmo tempo, o Azerbaijão é significativamente inferior ao Turquemenistão em termos de reservas comprovadas de gás.
Os Estados Unidos anunciaram oficialmente a sua intenção de promover os oleodutos transcaspianos ainda em 1998 e desde então confirmaram repetidamente este objetivo. No entanto, a materialização das rotas de exportação transcaucasianas no exterior ainda é dificultada pela posição de Moscou, que é categoricamente contra tal construção no Mar Cáspio. Paralelamente à entrada no mercado petrolífero dos estados do Mar Cáspio, aumentou o interesse do lado americano nos conflitos regionais em Nagorno-Karabakh, a várias dezenas de quilômetros da rota BTC. Depois, dos territórios curdos na Turquia, onde, em outubro de 2012, um trecho do gasoduto no Sul do Cáucaso foi explodido na sequência de um ataque terrorista.
A necessidade de proteger a infraestrutura energética ocidental foi utilizada pela Casa Branca como justificativa para aumentar a sua presença militar na região, incluindo a sua participação no crescente processo de militarização do Mar Cáspio.
No outono de 2003, o Pentágono lançou a iniciativa Caspian Guardian para reequipar e treinar unidades especiais, fronteiriças e costeiras, principalmente do Azerbaijão e do Cazaquistão, para coordenarem as suas ações sob o patrocínio dos EUA, com um custo estimado em mais de 100 milhões de dólares. Em maio de 2008, um grupo de congressistas americanos baseados em Astana propôs ao presidente do Cazaquistão, N. Nazarbayev, a colocar uma estação de radar flutuante nas águas cazaques do Mar Cáspio como parte da 4ª posição do sistema americano de defesa antimísseis.
A iniciativa Guardião do Cáspio pretendia garantir uma presença militar dos EUA a longo prazo no Mar Cáspio e poderia levar ao surgimento de bases permanentes no futuro. Para promover os seus interesses, a diplomacia americana baseou-se em negociações bilaterais secretas com Baku e Astana. O Azerbaijão, que mantém relações tensas com Teerã, respondeu positivamente à proposta dos EUA, onde instrutores de países da OTAN (incluindo representantes da empresa militar privada Academi) começaram a treinar forças especiais navais e a realizar exercícios GOPLAT (Plataforma de Gás e Petróleo) a fim de proteger plataformas petrolíferas offshore.
A posição do Cazaquistão sobre o programa Guardiões do Cáspio foi expressa durante consultas à porta fechada em Astana, em janeiro de 2006, declarando que a sua implementação era possível, mas requeria o consentimento da Rússia. Moscou, por sua vez, opôs-se fortemente à interferência dos EUA nas questões de segurança do Mar Cáspio e propôs um conceito alternativo, “CASFOR”.
A abordagem de Astana foi posteriormente confirmada nos documentos das Cimeiras do Mar Cáspio de 2007 e 2010, atrasando ainda mais a perspectiva de lançamento de um projeto de grande escala do Pentágono pressionado em concentrar-se em várias iniciativas locais relacionadas com a preparação de forças especiais na região do Mar Cáspio. A Convenção sobre o Estatuto do Mar, preparada pelos Estados do Mar Cáspio já em 1996, deverá finalmente resolver a questão das atividades militares da OTAN nas águas do Mar Cáspio.
Embora a adoção do documento na sua versão final ainda seja dificultada por mal-entendidos sobre o processo de partilha dos recursos de hidrocarbonetos do fundo do mar, os participantes conseguiram concordar que a implantação de unidades militares de países terceiros no Mar Cáspio era inaceitável. Em setembro de 2014, na 4ª Cimeira dos Chefes de Estado do Cáspio, realizada em Astracã, foram acordados princípios de conduta no Mar Cáspio. Estas incluem a ausência de forças armadas apátridas no mar e a navegação exclusivamente por navios que arvoram a bandeira local.
Por enquanto, estes princípios têm a natureza de declarações políticas e só se tornarão juridicamente vinculativas depois da Convenção ser aprovada e ratificada. Mas mesmo neste formato, reduzem o campo de manobra de Washington na direção do Mar Cáspio.
Por outro lado, vale a pena prestar atenção ao princípio aprovado em Astrakhan de assegurar um equilíbrio estável de armas das partes no Mar Cáspio, dentro dos limites da suficiência razoável. A necessidade desse equilíbrio foi impulsionada pela corrida armamentista, que na década de 2000 foi, entre outras coisas, desencadeada pelas tensões em torno das tentativas da OTAN de desempenhar um papel mais significativo na região.
Por exemplo, o aumento do poder militar em Baku, apoiado pelos Estados Unidos e pela Turquia, provocou retaliações, não só por parte do Irã, que considerou como um a preparação de uma cabeça de ponte para um possível ataque, mas também por parte do Turquemenistão, que contestou uma série de depósitos de hidrocarbonetos do Azerbaijão e começou a estabelecer a sua própria frota naval e bases no porto de Turkmenbashi.
Publicado em Geopolitics Artis.