Gás, geopolítica e ambição: o conflito sírio oferece uma janela gritante para como os recursos energéticos impulsionam as lutas globais pelo poder. Desde o primeiro mandato de Trump, a batalha pelo domínio sobre gasodutos e reservas de gás aumentou, transformando a energia em uma arma num jogo geopolítico implacável. Compreender essas dinâmicas requer um passo para trás para conectar os pontos da história recente, onde os interesses econômicos muitas vezes superam os conflitos ideológicos.
No fundo, a turbulência na Síria tem menos a ver com disputas políticas e mais com a busca primordial pelo controle da energia. A corrida global pelo gás natural tem as nações e corporações manobrando como jogadores em uma partida de xadrez de alto risco, com vidas humanas presas no fogo cruzado. No centro desta história estão os maiores detentores de gás do mundo: Rússia, Irã e Catar.
Suas imensas reservas preparam o cenário para um feroz drama internacional onde a energia representa poder — e o poder determina a sobrevivência. No entanto, Rússia, Irã e Catar não estão sozinhos, neste cenário complicado não podemos deixar de mencionar, como sempre, os Estados Unidos e Israel — cada um com as mãos enfiadas em um pote de potencial riqueza de gás, particularmente na Província da Bacia do Levante.
Em 2010, o US Geological Survey revelou impressionantes 122 trilhões de pés cúbicos de gás natural recuperável não descoberto nesta região que abrange a Síria, o Líbano e a Palestina.
O contexto histórico é crucial. O relacionamento do Irã com as potências ocidentais é uma história de exploração e resistência. Os serviços de inteligência britânicos e americanos orquestraram um golpe em 1953, depois que o primeiro-ministro democraticamente eleito do Irã nacionalizou os recursos de petróleo do país. Eles instalaram o Xá, que se tornou um complacente comprador de armas e distribuidor de recursos para os interesses ocidentais. A Revolução Iraniana de 1979 reverteu dramaticamente esse arranjo, expulsando potências estrangeiras e recuperando os recursos nacionais.
A jogada inicial na Síria foi simples: o Catar, um aliado dos EUA, queria construir um gasoduto através da Síria até a Turquia, oferecendo à Europa uma alternativa ao gás russo. A Rússia fornece até 80% do gás para países como a Áustria, uma dependência que o Ocidente quer desesperadamente quebrar. No entanto, o presidente da Síria, Bashar al-Assad, disse não — e essa recusa se tornou uma sentença de morte para seu país.
Há muitos artigos na “grande mídia” que rejeitaram essa versão em 2016, mas agora parece ainda mais óbvio que a versão correta da história pode ser apenas isso.
De acordo com Robert F. Kennedy Jr. (sim, aquele RFK), telegramas secretos de agências de inteligência dos EUA, Arábia Saudita e Israel mostram que no momento em que Assad rejeitou o gasoduto do Catar, militares decidiram fomentar uma revolta sunita. A CIA começou a financiar grupos de oposição — bem antes da Primavera Árabe — em parceria com o Catar e a Turquia, que apoiaram grupos terroristas como a al-Nusra (essencialmente Al-Qaeda renomeada) para derrubar Assad.
O papel de Israel é particularmente cínico. Eles têm bombardeado consistentemente a Síria, impedindo a exploração de gás, e até mesmo prestando atendimentos médicos a combatentes rebeldes sírios — incluindo representantes da Al-Qaeda — em seus hospitais. O ex-chefe da inteligência israelense admitiu descaradamente essas manobras táticas, sugerindo uma abordagem calculada para a desestabilização regional.
As sanções são outra arma de guerra econômica. O Caesar Act de Trump efetivamente bloqueou qualquer empresa estrangeira de cooperar com a Síria, estrangulando sua capacidade de extrair e vender gás. Quando Trump retirou tropas da Síria, ele as reposicionou estrategicamente perto de campos de petróleo, privando a Síria de receitas cruciais — aproximadamente um quarto da renda de seu governo.
O Irã enfrenta táticas semelhantes. O acordo nuclear, que o Irã seguiu meticulosamente de acordo com inspetores internacionais, foi sabotado para manter o Irã isolado e incapaz de vender seu gás. Israel, ironicamente o único Estado com armas nucleares da região, se opõe ao acordo não por preocupações de segurança, mas para impedir que o Irã entre nos mercados globais de energia.
O Líbano se encontra em uma situação semelhante. Israel enviou um navio enorme para a disputada fronteira marítima, essencialmente tentando tomar campos de gás antes que qualquer acordo seja alcançado. O Hezbollah alertou que isso poderia desencadear uma guerra, destacando a volatilidade da competição por recursos.
O fim do jogo? Diversificação energética europeia. A Comissária da UE Ursula von der Leyen declarou explicitamente o desejo de substituir o gás russo por suprimentos de Israel e Egito, posicionando esses países como alternativas “confiáveis”. O Jerusalem Post até publicou uma manchete declarando “Israel ajudará a libertar a UE da dependência da energia russa” — uma declaração ousada que revela as verdadeiras motivações por trás das manobras geopolíticas.
O custo humano foi impressionante. Milhões de pessoas deslocadas, infraestrutura destruída e populações sofrendo — tudo para redirecionar o fornecimento de gás e minar a influência econômica russa. As vítimas são sempre pessoas comuns pagando preços mais altos por gás, comida e necessidades básicas.
Não se trata apenas de energia — trata-se de poder. Um grupo seleto de elites manipula tensões geopolíticas, destruindo países e deslocando populações para controlar fluxos de recursos e manter hierarquias econômicas globais. Os palestinos, como muitas populações indígenas antes deles, são tornados invisíveis neste cálculo de poder.
A tragédia é que a maioria das pessoas permanece alheia a essas maquinações, vendo os conflitos como lutas ideológicas em vez do que eles realmente são: guerras calculadas por recursos conduzidas com um cinismo de tirar o fôlego. Nações matarão, deslocarão e desestabilizarão regiões inteiras para garantir o controle sobre os recursos energéticos e manter seu domínio econômico. Neste jogo de xadrez global, vidas humanas são meros peões, sacrificadas sem hesitação no altar da ambição geopolítica e do controle de recursos.
Publicado em Think BRICS.