Autoria Pepe Escobar, é um jornalista veterano independente brasileiro, autor e analista especialista em geopolítica. Colaborou com dezenas de veículos de imprensa nos EUA, Europa e Ásia.
A Maioria Global está plenamente ciente de que os genocidas em Tel Aviv estão tentando o máximo que podem provocar uma guerra apocalíptica – com total apoio militar dos EUA, é claro.
Compare essa mentalidade combativa com 2.500 anos de diplomacia persa. O Ministro das Relações Exteriores em exercício do Irã, Ali Bagheri Kani, comentou recentemente como Teerã está se esforçando para impedir “o ‘sonho’ do regime israelense de desencadear uma guerra regional total”.
Mas nunca se deve interromper o inimigo quando ele está em pânico total. Sun Tzu teria aprovado essa máxima. O Irã certamente não interferirá, já que os EUA e os membros do G7 fazem de tudo para chegar a algum acordo de cessar-fogo apenas de aparência em Gaza entre o Hamas e Israel, para evitar uma séria retaliação militar do Irã e do Eixo da Resistência.
No início desta semana, esse aviso deu frutos: o representante do Hamas no Líbano, Ahmed Abdel Hadi, relatou ontem que o Hamas não aparecerá na rodada de negociação provisória na quinta-feira – hoje (15/08). O motivo?
“É óbvio o clima de engano e procrastinação de Netanyahu, o jogo é de espera enquanto o Eixo prepara uma resposta ao assassinato dos mártires [Chefe do Politburo do Hamas Ismail] Haniyeh e [Comandante Militar do Hezbollah Fuad] Shukr… [O Hamas] não entrará em negociações que forneçam cobertura para Netanyahu e seu governo extremista”.
Então o jogo da espera, na verdade uma aula magistral de ambiguidade estratégica para abalar os nervos de Israel, persistirá. Por baixo de todo o drama barato do ocidente coletivo implorando para o Irã não responder, há um vazio. Nada é oferecido em troca.
Pior. Os vassalos europeus de Washington – Reino Unido, França e Alemanha – emitiram uma declaração diretamente de Desperation Row, onde eles “apelam ao Irã e seus aliados para se absterem de ataques que aumentariam ainda mais as tensões regionais e colocariam em risco a oportunidade de concordar com um cessar-fogo e a libertação de reféns. Eles serão responsáveis por ações que colocam em risco esta oportunidade de paz e estabilidade. Nenhum país ou nação tem a ganhar com uma nova escalada no Oriente Médio.”
Previsivelmente, nem uma única palavra sobre Israel. Nessa formulação neo-orwelliana, é como se a história registrada do planeta tivesse começado quando o Irã anunciou que retaliará pelos assassinatos de Haniyeh em Teerã.
A diplomacia iraniana respondeu rapidamente aos vassalos, enfatizando seu “direito reconhecido” de defender a soberania nacional e criar dissuasão contra Israel, a verdadeira fonte de terrorismo na Ásia Ocidental. E, crucialmente, enfatizando que eles “não buscam pela permissão de ninguém” para exercê-la.
O cerne da questão escapa previsivelmente à lógica ocidental: se Washington tivesse forçado um cessar-fogo em Gaza no ano passado, o risco de uma guerra apocalíptica convulsionando a Ásia Ocidental teria sido evitado.
Em vez disso, na quarta-feira, os EUA aprovaram um pacote de armas adicional de 20 bilhões de dólares para Tel Aviv, mostrando exatamente o quão comprometidos os americanos estão em garantir um cessar-fogo permanente.
Palestina encontra os BRICS
As provocações israelenses, especialmente o assassinato de Haniyeh, foram uma afronta direta aos três principais membros do BRICS: Irã, Rússia e China.
Portanto, a resposta a Israel implica numa articulação concertada do trio, derivada de suas parcerias estratégicas abrangentes e interligadas.
Mais cedo na segunda-feira, o Ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, recebeu um telefonema crucial do Ministro das Relações Exteriores iraniano em exercício Ali Bagheri Kani, durante o qual ele apoiou firmemente todos os esforços de Teerã para garantir a paz e a estabilidade regionais.
Também sinalizou o apoio chinês a uma reação iraniana a Israel. Especialmente considerando que o assassinato de Haniyeh foi visto em Pequim como um tapa na cara imperdoável em seus consideráveis esforços diplomáticos, ocorrido apenas alguns dias após o chefe do Hamas, ao lado de outros representantes políticos palestinos, assinar a Declaração de Pequim.
Então, na terça-feira, o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, se encontrou com seu colega russo Vladimir Putin em sua residência Novo-Ogaryovo em Moscou. O que Putin disse a Abbas é uma jóia do eufemismo:
“É bem sabido que a Rússia hoje, infelizmente, deve defender seus interesses, defender seu povo com armas nas mãos, mas o que está acontecendo no Oriente Médio [Ásia Ocidental], o que está acontecendo na Palestina – certamente não passa despercebido”.
No entanto, há um problema sério. Abbas, apoiado pelos EUA e Israel, não é confiável, desfrutando de escassa credibilidade na Palestina, com as últimas pesquisas revelando que 94% dos habitantes da Cisjordânia e 83% dos habitantes de Gaza exigem sua renúncia. Enquanto isso, menos de 8% dos palestinos culpam o Hamas como responsável por sua atual e horrível situação. Uma confiança esmagadora é depositada no novo líder do Hamas, Yahya Sinwar.
Moscou está em uma posição complexa – tentando impulsionar um novo processo político na Palestina com suas ferramentas e instrumentos de estadismo, de uma forma muito mais enérgica do que os chineses. No entanto, Abbas está resistindo a isso.
Há alguns ângulos auspiciosos, entretanto. Em Moscou, Abbas disse que eles discutiram os BRICS: “Chegamos a um acordo verbal de que a Palestina seria convidada no formato de ‘outreach’”, e expressou esperança de que:
“Um formato específico de reunião poderia ser organizado e seria dedicado exclusivamente à Palestina, para que todos os países expressassem suas opiniões sobre os desenvolvimentos que estão ocorrendo… Tudo seria tão relevante quanto possível, considerando o fato de que os países desta associação [BRICS] são todos amigáveis à Palestina.”
Isso, por si só, é uma vitória diplomática russa significativa. A óptica da Palestina sendo colocada entre os BRICS para discussões sérias terá um impacto imenso em todos os Estados muçulmanos e na Maioria Global.
Como calibrar uma resposta mortal
No quadro geral – a resposta do Eixo da Resistência a Israel – a Rússia também está profundamente envolvida. Recentemente, um fluxo de aeronaves russas pousou no Irã, supostamente carregando equipamentos militares ofensivos e defensivos, incluindo o revolucionário sistema Murmansk-BN, capaz de bloquear e embaralhar todos os tipos de sinais de rádio, GPS, comunicações, satélites e sistemas eletrônicos a até 5.000 quilômetros de distância.
Este é o pesadelo máximo para Israel e seus ajudantes da OTAN. Se implantado pelo Irã, o sistema de guerra eletrônica Murmansk-BN pode literalmente fritar toda a rede israelense, que fica a apenas 2.000 quilômetros de distância, inclusive as bases militares e também a rede elétrica.
Se a resposta do Irã pretende realmente sair dos padrões — ensinando ao estado de ocupação uma lição épica e inesquecível — isso pode incluir uma combinação do Murmansk-BN e dos novos mísseis hipersônicos iranianos.
E talvez algumas surpresas hipersônicas russas extras. Afinal, o Secretário do Conselho de Segurança Nacional, Sergey Shoigu, foi recentemente a Teerã para se encontrar com o Chefe do Estado-Maior iraniano, Major General Bagheri, exatamente para resumir os pontos mais sutis de sua parceria estratégica abrangente, incluindo o campo militar.
O Major General Bagheri até deixou o segredo dos BRICS escapar quando disse: “Nós acolheremos a cooperação tripartite do Irã, Rússia e China”. É assim que na prática os Estados-civilização se unem para combater o ethos das Guerras Eternas construídas na plutocracia “democrática” ocidental.
Por mais que a Rússia e a China estejam apoiando a Palestina e o Irã em vários níveis, é inevitável que o foco das Guerras Eternas agora esteja voltado contra todos eles. A escalada é desenfreada em todos os níveis – na Ucrânia, Israel, Síria, Iraque e Iêmen, além de revoluções coloridas de Bangladesh (bem-sucedidas) ao Sudeste Asiático (abortadas).
O que nos leva ao drama principal em Teerã: como calibrar cuidadosamente uma resposta que deixará Israel arrependida, mas que não levará a feridas sangrentas do Irã à Rússia e à China.
O choque abrangente – entre a Eurásia e o OTANistão – é inevitável. O próprio Putin revelou em termos claros quando disse: “Quaisquer negociações de paz com a Ucrânia são impossíveis enquanto ela conduzir ataques a populações civis e ameaçar usinas nucleares.”
O mesmo se aplica a Israel em Gaza. “Conversações de paz” – ou negociações de cessar-fogo – são impossíveis enquanto Gaza e nações soberanas como Síria, Iraque e Iêmen estão sendo bombardeadas à vontade.
Só há uma maneira de lidar com isso: militarmente, com forças de inteligência.
O Irã, em consulta aos parceiros estratégicos Rússia e China, pode estar tentando encontrar uma terceira via. O Projeto Israel está praticamente fechando sua própria economia para salvaguardar o Estado de ocupação de uma resposta mortal do Irã e do Eixo da Resistência.
Então Teerã pode estar levando Sun Tzu ao limite – o jogo de espera, as operações psicológicas, a insuportável ambiguidade estratégica – forçando os colonos israelenses a se refugiarem em seus bunkers subterrâneos até que toda a estratégia coordenada e abrangente esteja pronta para dar um golpe mortal.
Publicado em The Cradle.