Em 5 de agosto, iniciou-se uma Revolução Colorida em Bangladesh, país com uma população de 170 milhões, o Chefe do Estado-Maior, Waker-Uz-Zaman, confirmou a renúncia da primeira-ministra Hasina, foi formado um governo interino governado por Muhammad Yunus, conhecido por sua ligação a Davos e et caterva. [Golpe de Estado agora é em Bangladesh].
Autoria Lorenzo Maria Pacini, consultor em Análise Estratégica, Inteligência e Relações Internacionais, é professor da UniDolomiti de Belluno, Itália.
Bangladesh: um ataque direto a um dos principais corredores da BRI
Na covarde estratégia de escalada da guerra que os Estados Unidos estão adotando, consistente com sua política externa de guerras eternas, o que está acontecendo em Bangladesh assume um papel central na definição da tentativa americana de desestabilizar as novas alianças do mundo multipolar.
A posição das Novas Rotas da Seda (BRI)
Como já é bem sabido, um dos pontos-chave nas novas alianças é a BRI, uma rota comercial que desempenha um papel fundamental na conexão dos vários países do macrocontinente eurasiano.
A BRI foi criada em 2013 por iniciativa da República Popular da China como uma infraestrutura comercial envolvendo 150 países e organizações internacionais. Ela consiste em 6 áreas de desenvolvimento urbano terrestre conectadas por estradas, ferrovias, oleodutos, redes de energia, sistemas digitais e rotas marítimas ligadas por portos. Xi Jinping anunciou originalmente a estratégia como o “Cinturão Econômico da Rota da Seda” durante uma visita oficial ao Cazaquistão em setembro de 2013. O termo “cinturão” se refere às rotas terrestres propostas para transporte rodoviário e ferroviário pela Ásia Central sem litoral ao longo das famosas rotas comerciais históricas das regiões ocidentais; “rota” é a abreviação de “Rota da Seda Marítima do Século XXI”, que se refere às rotas marítimas do Indo-Pacífico através do Sudeste Asiático para o Sul da Ásia, Oriente Médio e África.
O propósito da iniciativa é simples: cooperação internacional para aumentar o poder econômico e o status no cenário global. Os objetivos declarados da BRI são construir um mercado grande, unificado e aproveitar ao máximo os mercados internacionais e nacionais, por meio do intercâmbio cultural e da integração, para melhorar o entendimento mútuo e a confiança dos países membros, criando um modelo inovador de rotas de capital, polos de talentos e de tecnologia de bancos de dados. Nada é excluído do cálculo: infraestrutura, educação, transporte, construção, matérias-primas, terras raras, tecnologia. Pode-se dizer sem medo de estar errado que as Novas Rotas da Seda se tornaram o ímã econômico de atração da China para o mundo inteiro.
Atualmente, em 2024, há 140 países adeptos, representando 75% da população mundial.
Na Rota da Seda Marítima, que já é a rota usada para transporte de mais da metade de todos os contêineres comercializados pelo mundo, portos de águas profundas estão sendo expandidos, centros logísticos estão sendo construídos e novas rotas de tráfego interior estão sendo criadas. Esta rota comercial vai da costa chinesa para o sul, ligando Hanói, Kuala Lumpur, Cingapura e Jacarta, depois para o oeste, conectando a capital do Sri Lanka, Colombo, e Malé, a capital das Maldivas, à África Oriental e à cidade de Mombasa, no Quênia. De lá, a conexão se move para o norte, para Djibuti, através do Mar Vermelho e do Canal de Suez, até o Mediterrâneo, conectando assim Haifa, Istambul e Atenas, ao Alto Adriático, ao centro italiano de Trieste, com seu porto franco internacional e suas conexões ferroviárias para a Europa Central e o Mar do Norte.
As regras do BRI são ditadas principalmente por certas alianças e parcerias: o Fórum de Cooperação China-África, o Fórum de Cooperação China-Estados Árabes, a Organização de Cooperação de Xangai e, claro, o BRICS+.
Enfraquecimento da Índia para desestabilizar Rimland
* [Teoria do Rimland: o estrategista estadunidense Nicholas J. Spykman defendeu que a Rimland, faixa costeira que circunda a Eurásia, é mais importante do que a zona da Ásia Central (Heartland) para o controle do continente, sendo assim, o foco deve ser no desenvolvimento do poderio aéreo naval e manter a supremacia nos mares e oceanos].
Claro, as críticas à BRI vêm do (agora não mais) hegemon atlântico: muita influência chinesa, muito poder econômico, portanto, muita autonomia política. E não apenas para a China, mas também para os vários Estados vizinhos que estão ligados aos EUA de uma forma ou de outra.
A BRI de fato estendeu o poder marítimo da China, expandindo sua influência política. Na teoria geopolítica clássica de Halford Mackinder e seus sucessores americanos, essa influência significa apenas uma coisa: limitar o poder da talassocracia americana, forçando-a a encontrar outras rotas para conquistar o Heartland (coração da Eurásia). Embora a China não seja uma Civilização Marítima (talassocracia), mas uma Civilização Terrestre (telurocracia), ela conseguiu explorar a dissuasão econômica como uma potência marítima, equilibrando-se o suficiente para assustar os Estados Unidos e seus (muito poucos) parceiros.
Pois há de fato um risco estratégico: Rimland, a zona costeira que atua como um amortecedor no choque entre as Telurocracias Eurasianas e as Talassocracias Atlantistas, não pode ser cedida de forma barata. O BRI é objetivamente parte de uma estratégia mais ampla de controle militar sobre o Estreito de Malaca e ‘envolve’ a cadeia de ilhas militares americanas. O que significa que os americanos perderam gradualmente sua iniciativa militar livre e agora não têm mais a liberdade de mercado para agir indiscriminadamente.
Os EUA estão bem cientes disso e por isso organizaram um golpe de Estado em Bangladesh, um país muito importante para a estabilidade da Índia, que é o maior e mais importante país, depois da China, na BRI, e o único ainda ligado ao Ocidente por um duplo fio.
Nos últimos meses, a Índia recusou repetidamente apoio estratégico aos EUA, particularmente para o controle do Mar Índico e do Golfo Pérsico; Narendra Modi foi a Moscou no mês passado e assinou acordos com a Rússia; tudo isso não foi bem recebido por Washington, que ordenou a derrubada do governo de Sheikh Hasina em Bangladesh.
Hasina é pró-Índia, então, Nova Deli poderia desfrutar de uma maior estabilidade regional. Hasina também significou um equilíbrio entre conflitos étnicos e religiosos, quando já entre 2001 e 2006 houve vários problemas devido às ligações entre grupos e partidos nacionalistas em Bangladesh e Paquistão; ela recusou cessões territoriais e colaboração militar com os EUA e se opôs à pressão antichinesa.
Assim veio a punição: expulsar Hasina por meio de uma microrrevolução de golpe de Estado para instalar uma junta interina com um homem escolhido por Washington. Tudo no estilo estrelas e listras. Não é coincidência que o Departamento de Estado dos EUA imediatamente expressou seu apoio à mudança de regime político, sem esperar nem mesmo algumas horas pelo evento.
Desestabilizar Bangladesh é uma tentativa de minar a segurança da Índia e, como a Índia é a garantidora da estabilidade e autonomia de Rimland, os EUA tentarão perturbar o equilíbrio regional fomentando conflitos domésticos e desacelerando acordos econômicos. Um governo pró-americano forçaria todos os países vizinhos a reavaliar seu comprometimento com a segurança e participação em parcerias. Embora seja verdade que Bangladesh não pode, por si só, confrontar a Índia e não pode determinar sua política doméstica, também é verdade que uma série de perigos estratégicos na fronteira Índia-Bangladesh seria um problema muito difícil de administrar neste momento.
O que acontecer nos próximos dias será decisivo para o futuro não apenas de Bangladesh e da Índia, mas também para toda a iniciativa das Novas Rotas da Seda e demais projetos relacionados.
Publicado em Strategic-Culture.