Por Marcus Atalla
Desde o dia 08/02, quando Tucker Carlson transmitiu sua entrevista com Vladimir Putin pelas redes sociais e em sua página, ela teve uma audiência assustadora. Somando todas suas redes oficiais a entrevista já superou 1 bilhão de visualizações, sem contar as diversas republicações por outros usuários. Na Rússia a entrevista foi transmitida por todas as televisões do país.
Alguns jornalistas e especialistas que acompanham a guerra OTAN contra a Rússia em território ucraniano consideraram não ter havido grandes novidades, mas para a população estadunidense e boa parte da europeia, cujas redes sociais e imprensa estão sob o controle das megacorporações estadunidenses e europeias, tudo foi novidade.
O ocidente está construído sobre um castelo de cartas de mentiras, ao ponto de antes da entrevista ser transmitida, a Presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, dizer publicamente que a União Europeia deveria sancionar Tucker Carlson. O ocidente tornou-se tão frágil que teme uma entrevista que esteja fora de seu controle.
Reflitamos: A Presidente de 27 países europeus, vários deles os mais importantes e considerados bastiões da democracia mundial, defendeu censura e punição a um único homem, um jornalista.
Também foi muito curioso que muitos jornalistas da mídia corporativa usaram como desculpa de que as perguntas e respostas teriam sido combinadas previamente, pois Putin estaria muito bem preparado ao falar sobre a história da formação dos povos da região desde o séc. VIII. Aqueles que já viram entrevistas de Putin e Xi Jinping, sabem que é muito comum para ambos usarem fatos históricos para contextualizar o presente.
Talvez o espanto seja pela mediocridade dos chefes de Estados ocidentais que não o fazem, seja por despreparo ou porque os jornalistas ocidentais não permitem. O que os jornalistas buscam são perguntas curtas, com respostas ainda mais curtas, para assim, editarem da forma que desejem, retirando de contexto para criar polêmicas ou deturpar as respostas ou para não informar.
Quanto a entrevista em si, cabe ressaltar alguns tópicos:
Nos primeiros 20 minutos, Putin contextualiza o presente com os fatos históricos e porque a Rússia considera o conflito entre ucranianos e russos uma guerra civil provocada pelos EUA desde o Euromaidan em 2013. Próximo ao fim da entrevista, Putin descreve um ocorrido recentemente no campo de batalha.
Soldados ucranianos estavam cercados por tropas russas, quando os soldados russos gritaram do seu lado do campo de batalha aos ucranianos:
Soldados russos: – Vocês estão cercados, deponham as armas e rendam-se, nós garantimos a vida de vocês!
Quando do outro lado da trincheira, os soldados ucranianos gritaram em bom e perfeito russo: – Não nos renderemos! Russos nunca se rendem!
Para Putin, essa é uma prova de que os ucranianos ainda têm em seu íntimo a cultura, raízes e se veem como russos. Mesmo depois de toda a guerra-cognitiva que sofreram durante o Euromaidan.
Outro ponto é que os EUA estão fadados a deixarem de ser o grande hegemon, com uma dívida interna de 33 trilhões e jogando bilhões em guerras pelo mundo, ao invés de usar esse dinheiro para resolver sua economia em que a população tem sentido sua qualidade de vida decaindo e endividamento aumentando. Apenas isso já seria suficiente para uma fuga do dólar, mas com o uso da moeda e o SWIFT como arma de guerra, os EUA ultrapassaram uma linha sem volta. Putin disse que antes das sanções mais de 70% do comércio russo era em dólar, agora não chega a 30%.
Tucker Carlson também tentou a velha política de afastar Rússia e China, ao dizer a Putin que a China é um país imperialista e a Rússia estaria sob risco. Ao que Putin respondeu: de novo essa história do Bicho Papão. Adultos não deveriam acreditar em bicho-papão. A China não é imperialista e é muito fácil fazer acordos diplomáticos e comerciais consigo, que os respeitam.
Outro detalhe muito importante, mas que passou batido, pois não foi contextualizado, foi a pergunta se Putin havia conversado com o Orban da Hungria. A pergunta se deu quando Putin explicava que a Ucrânia era um Estado tampão, que várias das atuais áreas territoriais ucranianas já pertenceram a outros países. E esta é a segunda vez que Putin dá a entender que a Rússia não se importaria se esses territórios retornassem aos seus antigos Estados donos. O presidente russo salientou apenas a antiga região de Novorossiya.
Pouco ou nem divulgado pela imprensa ocidental é que por volta de 24/01, houve um encontro entre o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, e seu homólogo ucraniano Denys Shmygal na cidade ucraniana Uzhgorod. Também ocorreu uma visita do Ministro das Relações Exteriores húngaro, Peter Szijjarto, a mesma cidade de Uzhgorod. O local escolhido para as visitas, Uzhgorod, não foi apenas pela proximidade fronteiriça tanto da Eslováquia, como da Hungria.
De acordo com o censo ucraniano de 2001, a população de Uzhgorod, cidade centro administrativo da Transcarpátia, hoje ucraniana, é composta por 6,9% de húngaros e 2,2% de eslovacos. No fim de semana de 28 de janeiro, dois políticos da UE, um da Hungria e outro da Eslováquia, reiteraram as reivindicações territoriais de seus países à Ucrânia. Laszlo Toroczkai, líder do partido Movimento Nossa Pátria (MHM) da Hungria, disse que o MHM “reivindica a Transcarpátia (Zakarpattia), se a Ucrânia perder a sua condição de Estado após o conflito”.
O deputado romeno Claudiu Tarziu, por sua vez, disse: “Não seremos verdadeiramente soberanos até reintegrarmos à Romênia as suas fronteiras naturais. “A Bessarábia do Sul, a Bucovina do Norte, a Terra de Herz e a Transcarpátia devem voltar a juntar-se às fronteiras do Estado [romeno]”. Há muitos interessados em pegar de volta suas fatias ucranianas, quem não ficaria muito contente com isso, seria a Black Rock, que comprou vastas regiões e infraestruturas ucranianas, só aguardando o fim do país.
Aqui está uma breve visão geral de alguns territórios ucranianos que pertencera a outros países europeus
1. Galícia Oriental – em diferentes pontos da história, antiga parte do Reino Polaco, do Império Austro-Húngaro e da URSS. Hoje cobre regiões da Ucrânia Ocidental. Ainda é referida como “Malopolska” ou Pequena Polónia (aderiu à Ucrânia Soviética em 1939 sob o Pacto Molotov-Ribbentrop). Interesse da Polônia.
2. Transcarpátia (Zakarpattia) – uma antiga parte do Império Austro-Húngaro, da Tchecoslováquia e da URSS em diferentes momentos da história. Atualmente povoado por 6,9% de húngaros e 2,2% de eslovacos (ingressou na Ucrânia soviética em 1946 sob um tratado pós-Segunda Guerra Mundial entre a Tchecoslováquia e a URSS); Interessados: Hungria e Eslováquia.
3. Bessarábia – em diferentes momentos da história, uma antiga parte do Império Otomano, do Império Russo, da Roménia e da URSS. De acordo com o censo de 2014, povoado por cerca de 75% de moldavos e 7% de romenos (parte juntou-se à Moldávia soviética e a outra foi para a Ucrânia soviética em 1940). Interessados: Romênia e Moldávia
4. Bucovina do Norte – anteriormente parte do Império Austríaco e da Roménia em diferentes momentos da história. Em 1940, foi entregue à Ucrânia Soviética sob o pretexto de ter uma maioria étnica ucraniana, apesar de quase 30% dos seus cidadãos serem romenos. Interessados: Romênia e Moldávia.
5. Novorossiya – Nome histórico usado na época do Império Russo para denotar a região ao norte do Mar Negro, o que hoje é, na sua maioria, a parte sul e leste da Ucrânia. Interesse: Rússia.
Assista a entrevista na íntegra dublada em português por Yuliana Titaeva: