Em 18 de fevereiro, o governo guianense divulgou um suposto ataque contra suas tropas às margens do rio Cuyuní, no território venezuelano de Essequibo. Segundo a versão de Georgetown, seis soldados ficaram feridos quando supostos homens armados “venezuelanos” abriram fogo contra eles enquanto realizavam uma missão de reabastecimento.
A Venezuela rejeitou a acusação, chamando-a de “montagem vil” destinada a manipular a opinião pública e encobrir as repetidas violações do direito internacional cometidas pelo enclave guianense no território disputado de Essequibo.
O chanceler venezuelano, Yván Gil, denunciou em nota oficial, que se trata de uma operação de falsa bandeira orquestrada para justificar a crescente militarização da região com o apoio do Comando Sul dos Estados Unidos.
Segundo informações preliminares coletadas por Caracas, os feridos não eram soldados guianenses em missão regular, mas sim elementos ligados à mineração ilegal que atuam na região com a proteção do exército e da polícia da Guiana.
Essas pessoas teriam se feridas em um incidente ainda sob investigação e estão atualmente recebendo atendimento médico na Venezuela. A natureza do incidente está precisamente no limiar das operações de bandeira falsa, em linha com o que o chanceler venezuelano denunciou.
As entrelinhas da bandeira falsa

Historicamente, operações de bandeira falsa têm sido usadas como pretextos para apoiar ações militares, sanções ilegais ou intervenções em diferentes regiões do mundo.
Os eventos no Rio Cuyuní foram amplificados pela mídia guianense, que descreve os supostos agressores como “membros de gangues”, enquadrando assim o incidente em uma narrativa de “violência criminosa organizada”, adaptada à narrativa dominante da política externa do segundo governo Trump.
O padrão discursivo encontra um paralelo na maneira como o evento Trem de Aragua (TdA) foi planejado nos Estados Unidos. Inicialmente ausente das principais manchetes do país, logo se tornou protagonista nos discursos oficiais sobre segurança nacional e migração, principalmente a partir de 2023.
Esses movimentos sugerem o início de uma agenda que vincula grupos criminosos com uma nacionalidade específica para construir uma “ameaça” que justifique ações enérgicas ou sirva de pretexto para uma maior presença militar dos EUA na América do Sul, visando a Venezuela.
De fato, a caracterização dos agressores como “membros de gangues” e sua associação com atividades ilícitas torna mais fácil colar a história de criminosos transnacionais de origem americana.
Vale ressaltar que as áreas de fronteira têm sido tradicionalmente espaços adequados para operações secretas, especialmente quando há tensões territoriais e atores com interesses econômicos e geopolíticos em jogo.
No caso de Essequibo, por sua natureza inóspita, é um território viável para a execução de ações clandestinas que servem de pretexto para escaramuças maiores.
O incidente ocorre em meio a tensões crescentes, com a presença militar estrangeira e concessões de petróleo concedidas a corporações transnacionais em águas ainda não delimitadas, o que aumentou as tensões entre Caracas e Georgetown.
Militarização da região em benefício da ExxonMobil
A exploração de petróleo na costa atlântica, um dos pontos-chave do conflito, não pode ser entendida sem examinar o legado colonial que definiu sua economia. Durante séculos, a nação esteve sujeita ao domínio colonial britânico, que foi substituído nos últimos anos pelo domínio colonial americano, por meio da ExxonMobill.
Na época colonial, a economia girava em torno da produção de açúcar, setor controlado por empresas britânicas como a Bookers, a qual exercia o monopólio total sobre o território.
Com a chegada da ExxonMobil, o padrão colonial foi replicado. A empresa norte-americana garantiu contratos altamente favoráveis (e ilegais na origem) que lhe dão o controle de campos de petróleo em território disputado.
O desenvolvimento da exploração de petróleo pela ExxonMobil está atualmente em um cronograma bem definido, com operações nos campos offshore Yellowtail, Liza, Payara e Uaru 1 e 2, localizados dentro do bloco Stabroek, que permanecerá até pelo menos dezembro de 2025. A empresa norte-americana não apenas garantiu contratos altamente favoráveis, mas sua presença fomenta uma crescente tensão na região.
Nesse contexto, os Estados Unidos fortaleceram sua influência por meio da ExxonMobil, bem como por meio de acordos de cooperação militar e do apoio do Comando Sul, em uma estratégia que une aspectos econômicos e de segurança para transformar a Guiana em uma espécie de protetorado.
A suposta “ameaça venezuelana”, uma noção fabricada que a operação de bandeira falsa em Cuyuní busca nutrir e substanciar, tenta justificar a crescente presença militar dos EUA na Guiana, com o objetivo de garantir o controle estratégico da ExxonMobil sobre os recursos energéticos da costa atlântica de Essequibo.
Consequentemente, o crescente discurso sobre “insegurança” e “criminalidade” em Essequibo se torna uma ferramenta funcional para essa agenda geopolítica. E a operação em questão reforça essa narrativa.
Neste contexto, o que aconteceu em Cuyuni não pode ser entendido como episódios isolados, mas como expressões de uma dinâmica mais ampla em que a securitização do conflito territorial tem um duplo propósito: por um lado, reforça a presença militar dos Estados Unidos em um enclave estratégico e, por outro, blinda os interesses da ExxonMobil na exploração dos campos petrolíferos em disputa.
Publicado em Misiòn Verdad.