Com o advento na internet de machine learning, algoritmos sigilosos e da propaganda em microtargeting, os buscadores e redes sociais passaram a atomizar grupos em bolhas de dissonância cognitiva. No entanto, as mentiras e bolhas dissonantes da realidade não surgiram agora, a mídia corporativa faz isso há décadas, com a diferença que as bolhas englobavam países e hemisférios inteiros.
Se as pessoas passaram a escolher a realidade pelos seus vieses de confirmação e mergulharem nessas bolhas, foi justamente em descrédito causado pelas mentiras da própria imprensa corporativa, a qual, atualmente, se apresenta como a solução, pois seriam responsáveis e trariam a “boa informação”. A propaganda feita por ela não é verdadeira. A imprensa mainstream atua da mesma forma, no entanto, pouco o público conhece sobre sua estrutura pelo público. E como a pluralização de vozes pela internet minimizou o poder desses oligopólios.
As propostas de regulamentação na internet são, em sua maioria, na proibição de conteúdo e leis punitivas em razão desses, definir o que é verdade ou mentira, cabendo a discricionariedade interpretativa subjetiva duvidosa de juízes, que nem se quer se atêm às regras hermenêuticas ao interpretar leis. Há os legisladores imbuídos de interesses pouco democráticos, os quais aproveitam-se do pânico social para passar às pressas leis duvidosas.
A imprensa corporativa estimula e apoia propostas em definição de conteúdo, mas as mentiras da imprensa corporativa estão isentas da discussão. O problema não está na definição do que é verdade ou é mentira e proibi-las, mas nas estruturas e métodos de propagação dos conteúdos. Reiteradas vezes a humanidade viu o resultado do proibir e excluir a mentira, para “proteger uma sociedade frágil”, e o virtuoso ativismo punitivo ao bem-comum, o “de um dever ético de proteger um certo plexo de valores”. O Leviatã agradece, assim, se alimentará de qualquer grupo que vier a contestá-lo.
Esta é a tradução de um trecho do ensaio “La macchina della propaganda” de autoria de Alberto Bradanini, publicado pela revista italiana “La Fionda”. Alberto Bradanini é um diplomata, foi embaixador da Itália em Teerã (2008-2012) e em Pequim (2013-2015). Atualmente é Presidente do Centro de Estudos sobre a China Contemporânea.
O trampolim da propaganda
No início do ensaio The Propaganda Multiplier [2], o suíço Konrad Hummler afirma que “diante de qualquer tipo de informação nunca devemos deixar de nos perguntar: por que recebemos esta notícia, por que desta forma e neste momento? No final das contas, é sempre uma questão de poder.”
Talvez isso esclareça por que ninguém leva em conta a situação singular -este é um exemplo entre muitos – em que os cidadãos russos podem ler nossos jornais e ouvir nossas TVs, enquanto nós não temos o direito de retribuir, ler e ouvir a mídia russa[ 3]. Enquanto esperamos ser informados, ajuda-nos o vocabulário orwelliano, em que paz é escrita para significar guerra, democracia para significar oligarquia – plutocracia, soberania para expressar submissão, liberdade de justiça para a sua supressão.
Hummler acrescenta que um aspecto substancialmente desconhecido do sistema de mídia diz respeito à estrutura de seu funcionamento, especialmente a circunstância em que quase todas as notícias chegam até nós sobre os acontecimentos mundiais. As notícias são geradas por apenas três agências internacionais. Seu papel é tão central que os usuários da mídia – TV, jornais e internet – cobrem quase sempre os mesmos eventos com os mesmos temas, o mesmo recorte, o mesmo formato. São agências que contam com a cobertura e apoio de governos, militares e sistemas de inteligência, sendo por eles utilizadas como plataformas de disseminação de informações controladas[4].
Como o jornal (ou TV) que leio (ou ouço) sabe o que diz saber sobre um tema internacional? E a resposta é trivial: aquele jornal ou TV não sabe de nada, limita-se a copiar de uma das agências citadas. Eles trabalham suavemente, nos bastidores. A primeira razão para essa discricionariedade é, obviamente, o controle das notícias, a segunda reside no fato de que jornais e emissoras de TV não têm interesse em deixar seus leitores saberem que não podem coletar informações independentes sobre o que estão noticiando.
As três agências em questão são:
• Associated Press (AP), que tem mais de 4.000 funcionários em todo o mundo. A AP tem a forma de uma empresa cooperativa, mas na verdade é controlada por empresas financeiras listadas em Wall Street; desde abril de 2017, seu presidente é Steven Swartz, que também é CEO da Hearst Communications, gigante da mídia dos EUA. A AP fornece informações para mais de 12.000 jornais e estações de TV internacionais, alcançando mais da metade da população mundial todos os dias;
• A Agence France-Presse (AFP) [5], de propriedade do Estado francês, tem cerca de 4.000 funcionários e transmite mais de 3.000 reportagens todos os dias aos meios de comunicação de todo o mundo;
• Agência Reuters, com sede em Toronto, com milhares de pessoas em todos os lugares, desde julho de 2018, 55% de seu capital é de propriedade do Blackstone Group, listado em Wall Street; em 2008 foi adquirida pela Canadian Thomson Corporation e depois incorporada pela Thomson- Reuters.
As corporações dos EUA (e com elas o aparato militar e de segurança, o estado profundo etc.). Uma vez que este andaime está na raiz da criação, supressão e adulteração mediática dos acontecimentos no mundo [6], é curioso que poucos se interessem em conhecer o seu papel e os seus mecanismos de funcionamento.
Um pesquisador suíço (Blum [7]) descobriu que nenhum jornal ocidental pode prescindir dessas agências se quiser lidar com questões internacionais. Só sabemos o que eles decidem relatar. A Grande Mentira, em que a população está imersa (com exceções, é claro), está devastando a ética pública e a sensibilidade coletiva. A lavagem cerebral é implacável, tudo se curva às necessidades do poder (o Ocidente e aquela parte do mundo controlada pelo Ocidente), tão hierarquicamente ordenados: império dos EUA (corporações, estado profundo, força militar), elites europeias (finanças, bancos, principalmente nórdicos), classes dominantes nacionais (políticos, mídia, academia).
Embora muitos países tenham suas próprias agências – a alemã DPA, a austríaca APA, a suíça SDA, a italiana Ansa e assim por diante – a mídia impressa e as TVs privadas/públicas, se quiserem lidar com questões internacionais, são forçadas a recorrer à três citadas, que se apropriaram de um papel insubstituível podendo contar com recursos, abrangência geográfica e capacidade operacional: os relatórios desses órgãos são traduzidos e copiados, ora utilizados sem indicação da fonte, ora parcialmente reescritos, outros ainda revividos e enriquecidos com imagens e gráficos para torná-los parecidos com um produto original. O jornalista que trabalha sobre determinado tema seleciona os trechos que julga importantes, manipula-os, mistura-os com floreios e depois os publica (Volker Braeutigam) [8].
O que o público acredita serem contribuições originais de jornais ou TV são, na verdade, reportagens fabricadas em Nova York, Londres ou Paris. Não surpreendentemente, as notícias são as mesmas em Washington, Berlim, Paris ou Roma. Um fenômeno assustador, não muito diferente das práticas vilipendiadas dos chamados países iliberais.
Quanto aos correspondentes, a maioria dos meios de comunicação não podem pagar. Quando existem, abrangem vários países, até dez ou vinte, e imagine com que competência! Em zonas de guerra, eles raramente se aventuram fora do hotel onde moram, e muito poucos têm habilidades linguísticas para entender o ambiente. Sobre a guerra na Síria, escreve Hummler, muitos relataram de Istambul, Beirute, Cairo, Chipre, enquanto as agências mencionadas têm correspondentes bem treinados em todos os lugares.
Em seu livro, People Like Us: Misrepresenting the Middle East, o correspondente holandês do Oriente Médio, Joris Luyendijk, descreveu francamente como os correspondentes trabalham e até que ponto eles dependem das três irmãs: “Achei que fossemos historiadores do momento, que antes de um grande evento, iriamos a descobrir o que realmente estava acontecendo e relatar. Na verdade, ninguém nunca vai ver o que acontece. Quando algo acontece, a redação telefona, envia por fax ou e-mail os press releases prontos e o correspondente no local os rebate com suas próprias palavras, comentando no rádio ou na TV, ou faz uma reportagem para o jornal de referência. A notícia é transmitida por fita. Sobre qualquer assunto ou acontecimento os correspondentes esperam no fundo da esteira, fingindo que produziram algo, mas é tudo falso”.
Ou seja, o correspondente costuma não conseguir produzir investigações independentes e se limita a remodelar reportagens embaladas nas redações ou por uma das três agências. É assim que surge o efeito mainstream.
Alguém pode se perguntar por que os jornalistas não tentam produzir reportagens independentes. Luyendijk escreve sobre isso: “Eu tentei fazer isso, mas a cada vez, por sua vez, as três irmãs intervieram no conselho editorial e impuseram sua história, ponto final” [9]. Às vezes, na TV, alguns jornalistas mostram um preparo que desperta admiração, pois respondem a perguntas difíceis com competência e desenvoltura. O motivo, porém, é trivial: eles conhecem as perguntas de antemão. O que você vê é puro teatro [10]. Às vezes, para economizar, alguns meios de comunicação usam os mesmos correspondentes e, neste caso, as reportagens que chegam aos jornais são duas gotas d’água.
No livro The Business of News, Manfred Steffens, ex-editor da agência alemã DPA, afirma que “não está claro por que as notícias seriam confiáveis se a fonte fosse citada. Com efeito, o oposto pode ser verdade, uma vez que a responsabilidade é, nesse caso, atribuída à fonte citada, potencialmente igualmente não confiável [11]”.
O que as agências ignoram nunca aconteceu. Na guerra da Síria, o Observatório Sírio para os Direitos Humanos – uma organização pouco independente, sediada em Londres e financiada pelo governo britânico [12] – tem desempenhado um papel preponderante. O Observatório enviou seus relatórios às três agências, que os encaminharam à mídia, que por sua vez informaram a milhões de leitores e telespectadores em todo o mundo. A razão pela qual as agências se referiram a este Observatório (e quem o financiou) ainda permanece um mistério.
Enquanto alguns temas são simplesmente ignorados, outros são enfatizados, ainda que não devessem: “uma falsidade flagrante ou uma encenação[13] é digerida sem objeções diante da presumível respeitabilidade de uma nobre agência de notícias ou de um conhecido jornal, já que nesses casos o senso crítico tende a tocar o zero [14]”. Entre os atores mais eficazes em injetar mentiras, encontramos os ministérios da defesa (no Ocidente, todos penetrados pela inteligência dos EUA de várias maneiras).
Em 2009, o chefe da agência AP, Tom Curley, disse publicamente que o Pentágono empregava mais de 27.000 especialistas em relações públicas, que com um orçamento anual de cinco bilhões de dólares, disseminou informações manipuladas todos os dias (desde então o orçamento e o número de especialistas cresceram muito!). As agências de segurança americanas têm o hábito de coletar e distribuir para jornais e TVs informações criadas à mesa com uma técnica que impossibilita saber sua origem, recorrendo a fórmulas como: “segundo fontes da inteligência”, e com o que vazam proposital e confidencialmente ou como deixado entendido por este ou aquele general, e assim por diante [15].
Em 2003, após o início da guerra do Iraque, Ulrich Tilgner, um veterano do Oriente Médio da TV alemã e suíça, falou sobre a atividade manipuladora dos militares e o papel da mídia. “Com a ajuda deste último, os militares constroem a percepção do público e a utilizam para seus próprios fins, espalhando cenários inventados. Nesse tipo de guerra, os estrategistas da mídia dos EUA desempenham uma função semelhante à dos pilotos de bombardeiros”.
O que os militares dos EUA sabem, os serviços de inteligência também sabem. Sobre o tema da desinformação, um ex-funcionário da inteligência dos EUA e um correspondente da Reuters relataram o seguinte ao canal britânico TV4: “Um ex-agente da CIA, John Stockwell, revelou [16] que era preciso fazer a guerra angolana parecer uma agressão inimiga. Por esta razão, apoiamos aqueles que compartilharam esta tese em todos os países. Um terço da minha equipe eram propagandistas, pagos para inventar histórias e encontrar maneiras de levá-las à imprensa. Normalmente, as redações de jornais ocidentais não levantam preocupações quando recebem notícias que se alinham com a narrativa dominante. Inventamos muitas histórias, que ainda estão de pé, mas é tudo besteira [17]”.
Fred Bridgland [18], relatando seu trabalho como correspondente de guerra da Reuters, afirma: “baseamos nossos relatórios em comunicações oficiais. Apenas alguns anos depois, fomos informados de que um único especialista em desinformação da CIA, numa mesa localizada em uma embaixada dos EUA, estava produzindo comunicados que não tinham relação com a verdade ou fatos no local. Basicamente, para colocar de forma grosseira, você pode fabricar qualquer porcaria e publicá-la em um jornal”.
Os serviços de inteligência, é claro, têm inúmeros contatos para divulgar suas mentiras, mas sem o papel prestativo das três agências em questão, a sincronização mundial de propaganda e desinformação não seria tão eficaz [19]. Por meio desse mecanismo multiplicador, narrativas inteiramente fabricadas por governos, militares e serviços de inteligência chegam ao público sem nenhum filtro. A profissão do chamado jornalista mainstream, está agora reduzido a uma cadeira dobrável de poder, assume a forma de remendos, com base em tecidos elaborados em outro lugar, questões complexas das quais eles pouco ou nada sabem em uma linguagem desprovida de lógica factual e indicação de fontes.
Segundo o ex-jornalista da AP, Herbert Altschull, “de acordo com a primeira lei do jornalismo, a mídia é em toda parte um instrumento de poder político e/ou econômico. Jornais, periódicos, estações de rádio e televisão mainstream nunca operam de forma independente, mesmo quando teriam a possibilidade” [20].
Até recentemente, a liberdade de imprensa era ainda mais teórica, dadas as altas barreiras à entrada, as licenças a obter, as frequências a negociar, o financiamento e a infraestrutura técnica necessária, os poucos canais disponíveis, a publicidade a cobrar e outras restrições. Hoje, graças à Internet, a primeira lei de Altschull foi parcialmente quebrada. Como resultado, surgiu um jornalismo de qualidade, financiado pelo leitor, que é superior à mídia tradicional em termos de pensamento crítico e independência.
No entanto, os meios de comunicação tradicionais continuam a ser cruciais, pois com recursos muito mais abundantes são capazes de capturar uma multidão de leitores mesmo online. E essa capacidade está vinculada ao papel das três agências, cujas atualizações minuto a minuto formam a espinha dorsal da maioria dos principais sites jornalísticos disponíveis na rede.
Até que ponto o poder político e econômico, segundo a lei de Altschull, conseguirá manter o controle das informações diante do avanço descontrolado das notícias, mudando assim a estrutura do poder e, ao menos em parte, a consciência da população, apenas o futuro dirá. Se olharmos para o equilíbrio de poder, o resultado parecerá óbvio. No entanto, o homem continua sendo o árbitro de seu próprio destino. A luta está sempre acontecendo.
Operadores da mídia internacional
Noam Chomsky, talvez o maior intelectual vivo, em seu ensaio “What makes the mainstream media mainstream”, afirma que: “se você quebrar o molde, o poder tem muitas maneiras de colocá-lo de volta na linha. E, no entanto, pode-se e ainda deve-se reagir” [21]. Alguns grandes jornalistas dizem que ninguém nunca lhes disse o que escrever. Chomsky esclarece essa aparente contradição assim: “eles não estariam lá se já não tivessem mostrado o que escrevem ou dizem a coisa certa espontaneamente todas as vezes. Se tivessem começado suas carreiras escrevendo as coisas erradas, nunca teriam chegado ao lugar onde agora podem dizer, ostensivamente, o que querem. O mesmo é verdade para faculdades universitárias nas disciplinas que importam” [22].
O jornalista britânico John Pilger [23], conhecido por suas corajosas investigações, escreve que na década de setenta conheceu uma das principais propagandistas do regime de Hitler, Leni Riefenstahl, segundo a qual para conseguir a submissão total do povo alemão foi necessário, mas não difícil, manipular as mentes da burguesia liberal e educada; o resto veio automaticamente.
A tragédia desse cenário é que eventos de importância política, geopolítica ou econômica com implicações internacionais (mas geralmente todos são temas delicados) são recebidos com o mínimo de senso crítico. A mídia ocidental vive de publicidade (corporações privadas) ou subsídios públicos, e reflete os interesses da narrativa atlântica, sob a égide da arquitetura econômica e de segurança americana. Os meios de comunicação de massa têm o objetivo de distrair as pessoas das questões centrais: “você pode pensar o que quiser, mas nós é que mandamos no show. Que se interessem por esportes, notícias, escândalos sexuais, problemas de celebridades, a falsa dialética governo versus oposição, mas não coisas sérias, porque essas são reservadas para os adultos”.
Além disso, pessoas-chave são cooptadas pela elite transatlântica na grande mídia, ganhando carreiras e cargos em troca. Os círculos estreitos do poder transnacional – como o Conselho de Relações Exteriores, o Grupo Bilderberg, a Comissão Trilateral, o Instituto Aspen, o Fórum Econômico Mundial, Chatham House e outros – estão recrutando operadores de mídia e políticos à mão.
Para Chomsky, as universidades não fazem diferença. A narrativa predominante reflete a dominante. Eles não são independentes. Pode haver professores independentes, e isso vale também para a mídia, mas a instituição como tal não, pois depende de financiamento externo ou do governo (ele mesmo regido pelos poderes mencionados). Aqueles que não cumprem são marginalizados ao longo do caminho. O sistema recompensa a conformidade e a obediência. As boas maneiras são aprendidas nas universidades, especialmente como se comunicar com representantes das classes altas. É assim que, sem precisar recorrer a mentiras explícitas, a academia e a mídia internalizam os valores e as posturas do poder do qual dependem.
Como se sabe, em Animal Farm George Orwell faz uma sátira implacável da União Soviética. Trinta anos mais tarde, porém, descobriu-se que, na introdução escrita na época, e que alguém suprimiu, escreveu “a censura literária na Inglaterra é tão eficaz quanto a de um sistema totalitário, só que a técnica é diferente, mesmo aqui, como mais uma prova de que as mentes independentes, aquelas que geram reflexões erradas, são obstruídas ou extirpadas em toda parte”.
O presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, foi eleito em 1916 com uma plataforma antiguerra. As pessoas não queriam lutar nas guerras de outras pessoas. Paz sem vitória, portanto sem guerra, era a palavra de ordem. Uma vez eleito, Wilson mudou de ideia e se perguntou: como converter uma nação pacifista em uma disposta a guerrear contra os alemães?? Assim foi estabelecida a primeira, e formalmente única, agência de propaganda estatal na história dos Estados Unidos, o Comitê de Informação Pública (belo título orwelliano!), chamado Comissão Creel, em homenagem a seu diretor. O objetivo de levar a população à histeria bélica foi alcançado sem muita dificuldade. Em poucos meses, os Estados Unidos estavam na guerra. Entre os que ficaram impressionados com esse sucesso, encontramos também Adolf Hitler. Em Mein Kampf, ele afirma que a Alemanha foi derrotada na Primeira Guerra Mundial porque perdeu a batalha da informação, e prometeu: da próxima vez saberemos reagir com um sistema de propaganda adequado, como fez quando chegou ao poder.
Walter Lippmann, um dos principais expoentes da Comissão Creel entre os mais respeitados do jornalismo americano por cerca de meio século, afirmou: “na democracia existe uma arte chamada fabricação do consenso”, que obviamente não tem nada de democrático. “Se você conseguir fazer funcionar, pode até aceitar o risco de que o povo vote. Com consenso adequado, até mesmo o voto pode se tornar irrelevante. Para que os ânimos estejam de acordo com os desejos dos governantes, é preciso manter a ilusão de que é o povo quem escolhe os governos e as orientações políticas. Desta forma, a democracia funcionará como deveria. Isso é aplicar a lição da propaganda”. Afinal, James Madison, um dos pais da constituição americana, afirmou que o principal objetivo do sistema era proteger a minoria dos ricos contra a maioria dos pobres. E mais uma vez, para tanto, a principal ferramenta foi a propaganda.
O citado John Pilger lembra [24] que nos últimos 70 anos, os Estados Unidos derrubaram ou tentaram derrubar mais de cinquenta governos, a maioria democracias. Eles interferiram nas eleições democráticas de cerca de trinta países. Eles bombardearam as populações de trinta nações, a maioria delas pobres e indefesas. Eles tentaram assassinar os líderes políticos de cerca de cinquenta estados soberanos. Financiaram ou apoiaram a repressão dos movimentos de libertação nacional em cerca de vinte países. A escala e a amplitude dessa carnificina são ocasionalmente evocadas, mas rapidamente descartadas, pois os responsáveis continuam a dominar a vida política americana.
O dramaturgo inglês Harold Pinter, que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2005, disse: “A política externa dos EUA pode ser definida da seguinte forma: beije minha bunda ou quebro sua cabeça. É simples e grosseiro, e o interessante é que funciona porque os EUA têm os recursos, tecnologias e armas para espalhar a desinformação por meio de uma retórica distorcida e sair impune. Eles são, portanto, persuasivos, especialmente aos olhos dos governos ingênuos e submissos. Em última análise, é uma montanha de mentiras, mas funciona. Os crimes dos Estados Unidos são sistemáticos, constantes, ferozes, sem hesitação, mas são muito poucos os que falam e sabem disso. Manipulam patologicamente o mundo inteiro, apresentando-se como campeões do Reino do Bem. Um mecanismo de hipnose coletiva que está sempre em ação”.
A lavagem cerebral é sofisticada e deve ser chamada pelo seu nome real se você quiser conter seus efeitos letais. Os espaços limitados, outrora abertos também a inteligências na contracorrente, fecharam-se. Esperamos homens valentes, como nos anos 30 contra o fascismo, juntamente com os intelectuais (os autênticos), os espíritos indignados, inquietos, os que têm pena do próximo, os que não precisam vender a alma para dar um sentido à existência. A catarse de uma revolução cultural, que continua a ser o sal da história, talvez um dia nos induza a gritar bem alto: basta, meus senhores, já chega! A partir de agora, o povo desliga seus aparatos fatais, geradores de mentiras e torpezas, e volta a trilhar os caminhos da verdade e da vida. Está ficando tarde, não resta muito tempo.
Bibliografia
[1] “A supremacia de um grupo social se manifesta de duas maneiras, como dominação e como liderança intelectual e moral. Um grupo social é dominante sobre grupos opostos que tende a liquidar ou subjugar mesmo com a força armada, e é o líder de grupos afins e aliados. Um grupo social pode e deve ser líder mesmo antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das principais condições para a conquista do mesmo poder); depois, quando exerce o poder e mesmo que o mantenha firmemente sob seu controle, torna-se dominante, mas também deve continuar a ser um gerente” (Quaderni del prision, Il Risorgimento , p. 70).
[2] https://swprs.org/the-propaganda-multiplier/
[3] Russia Today e Sputnik podem ser acessados se acessados a partir do mecanismo de busca Brave e de telefones celulares
[4] Hammler relata, por exemplo, que, de acordo com uma reportagem sobre a cobertura da guerra na Síria (iniciada em 2011) por nove grandes jornais europeus, 78% dos artigos foram copiados no todo ou em parte das reportagens de um dessas agências. Nenhum dos artigos foi baseado em pesquisa independente. Consequentemente, ça va sans dire, 82% dos artigos publicados eram a favor da intervenção militar dos Estados Unidos-NATO.
[5] https://swprs.org/the-propaganda-multiplier/
[6] Höhne 1977, pág. 11.
[7] Blum 1995, pág. 9
[8] Por dez anos, editor da estação de TV alemã ARD
[9] Luyendijk p.54ff
[10] Luyendjik 2009, p. 20-22, 76, 189
[11] Steffens 1969, pág. 106
[12] https://en.wikipedia.org/wiki/Syrian_Observatory_for_Human_Rights
[13] Blum 1995, pág. 16
[14] Steffens 1969, pág. 234
[15] Tilgner 2003, pág. 132
[16] https://swprs.org/the-cia-and-the-media/
[17] https://swprs.org/the-propaganda-multiplier/
[18] Fred Bridgland – Wikipédia
[19] É instrutivo percorrer as informações encontradas neste site https://swprs.org/media-navigator/ .
[20] (Altschull 1984/1995, p. 298)
[21] Chomsky 1997, O que torna a mídia mainstream mainstream