Wang Peng do Centro de Estudos Centro-Americanos e Caribenhos da Academia de Ciências Sociais Chinesa destaca que o Brasil é vital ao desenvolvimento da China e vice-versa, fala que uma maior pressão contra a China pelo governo Trump é uma grande oportunidade comercial para o Brasil e, por fim, comentar a baixa expectativa na comunidade internacional de uma reeleição à presidência de Lula em 2026.
O estudioso chinês, publicado pela mídia noticiosa Guancha, diz que à medida que a China promove a construção de um país forte e o rejuvenescimento nacional, não só precisa do Brasil para promover o estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e equitativa, mas também precisa cooperar com o país para obter o apoio material necessário para continuar seu processo de modernização.
Peng destaca a visita de Xi Jinping ao Brasil na 19ª Cúpula do G20 e a assinatura do acordo que elevou o patamar das relações sino-brasileiras no encontro bilateral entre Lula e o presidente chinês em 20 de novembro. O Brasil tornou-se o país mais visitado da América Latina por Xi Jinping, ao todo 5 vezes e o Presidente Lula esteve na China em 4 visitas durante seus mandatos.
A relevância da relação com a China tem aumentado para o Brasil também, não apenas pelo interesse de aumentar a sua influência internacional, mas também para aprender com a experiência da modernização chinesa e, ao mesmo tempo, obter apoio do capital chinês para impulsionar sua tecnologia e estabilizar seu próprio crescimento econômico pela demanda do mercado da China.
No processo de construção de um país forte, a importância do Brasil para a China tornou-se cada vez mais proeminente
À medida que a China promove a construção de um país forte e o rejuvenescimento nacional, as suas ligações com outras regiões do mundo tornaram-se cada vez mais importantes e o papel do Brasil tornou-se cada vez mais proeminente. O governo chinês espera cooperar com o Brasil para promover conjuntamente o estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e equitativa.
Pequim entende que a ordem mundial defendida por Lula baseia-se no diálogo, no multilateralismo e num mundo multipolar e que o presidente brasileiro opõe-se à “nova guerra fria”, critica a prática dos Estados Unidos de dividir artificialmente o mundo e de planeja se desenvolver por confrontos, bem como a obsessão do Ocidente com a hegemonia
Peng cita a fala de Lula em entrevista à Rádio e Televisão Central da China em 2023: “Nos últimos séculos, apenas alguns países foram ricos e poderosos e têm a palavra final neste mundo. Como países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil avanço na indústria” e que as opiniões de Lula são as mesmas ideias e propostas da China sobre a situação mundial e o desenvolvimento global.
Em consonância ambos países declararam conjuntamente que continuariam a aprofundar a comunicação e a colaboração no âmbito de estruturas multilaterais como as Nações Unidas, os BRICS e o G20, trabalham em conjunto para promover o processo de multipolaridade mundial e reforçariam o poder e influência da governação global.
“A China precisa de cooperação com o Brasil para obter apoio material para o seu próprio processo de modernização. Com o rápido desenvolvimento das relações econômicas e comerciais entre ambos, o Brasil tornou-se um parceiro fundamental para o crescimento econômico da China”, analisa Peng.
1º) O Brasil é uma das fontes mais importantes de importações de minério de ferro da China. À medida que a China se tornou o maior importador mundial de minério de ferro em 2003, a importância do ferro brasileiro tornou-se cada vez mais proeminente, e o minério de ferro tornou-se um dos maiores produtos comercializados entre os dois países.
2º) O Brasil é um dos principais fornecedores de petróleo à China. De 2000 a 2020, as exportações de petróleo bruto do Brasil para a China aumentaram acentuadamente de 227.800 toneladas para um máximo histórico de 42,2339 milhões de toneladas, tornando-se o quarto maior fornecedor de petróleo bruto à China.
3º) O Brasil é a principal fonte de importações de alimentos à China. Segundo dados oficiais brasileiros, desde 2017 o país é o maior fornecedor de grãos à China. Entre os dez produtos agrícolas mais exportados pelo Brasil, os principais destinos de exportação de oito produtos (incluindo soja, milho, açúcar, carne bovina, frango, celulose, algodão e carne suína in natura) são a China.
Governo Trump abre grandes possibilidades para o Brasil e a China
À medida que os Estados Unidos e os países europeus continuam a suprimir as exportações chinesas, o papel substituto pelo mercado brasileiro tornou-se eminente. Nos últimos anos, o número de carros chineses importados pelo Brasil aumentou rapidamente. Dados do Ministério da Indústria e Comércio (MDIC) brasileiro mostram que até o final de 2023, a China ultrapassou México e Alemanha e se tornou a segunda maior fonte de automóveis importados do país. O Brasil se tornou o maior mercado externo da BYD. Embora as vendas da BYD Auto no país estejam atrás de marcas ocidentais como Fiat e Volkswagen, a taxa de crescimento é muito significativa. Além disso, a participação de mercado dos celulares de marcas chinesas no Brasil continua aumentando. Em 2018, essa participação era de apenas 0,5%; em 2023, subiu para 15%.
A cooperação sino-brasileira promoveu eficazmente o processo de internacionalização do RMB. Em março de 2023, os dois países chegaram a um acordo para utilizar moedas regionais para liquidação comerciais e financeiras bilaterais. Em outubro do mesmo ano, a filial brasileira do Banco da China administrou negócios de descontos em cartas de crédito em RMB para a brasileira Eldorado Pulp Company, realizado pela primeira vez na história do comércio sino-brasileiro um processo completo de ciclo fechado de precificação em RMB, com liquidação, financiamento e conversão direta de RMB em reais.
No processo de reindustrialização brasileira, a importância da China para o Brasil tornou-se cada vez mais proeminente
De acordo com Peng, o Brasil atribui importância crescente ao desenvolvimento das relações com a China e tem explorado junto a si e de maneira correta seu relacionamento com os principais países em desenvolvimento em termos de respeito mútuo, benefício mútuo, amizade e cooperação ganha-ganha, tornando as relações China-Brasil um modelo de unidade e cooperação entre os principais países do Sul Global.
Pequim e Brasília trabalham em estreita colaboração em mecanismos multilaterais como as Nações Unidas, o Grupo do G20 e os BRICS para propor conjuntamente um “consenso de seis pontos” sobre a resolução política da crise ucraniana, elevando assim a relação entre os dois países além do âmbito bilateral e destacando a natureza global desta relação estratégica. O Brasil espera unir-se à China para reformar o sistema de governança global e melhorar o status dos países em desenvolvimento no mundo.
Lula disse em entrevista à CCTV: “A única coisa que quero é estabelecer um novo modelo de governança global… Deve haver uma governança global que possa representar as expectativas políticas da comunidade internacional”.
O Brasil espera aproveitar a procura por mercado, capital e tecnologia pela China para impulsionar e estabilizar o seu próprio crescimento econômico. A China é o maior parceiro comercial do país desde 2009. As estatísticas chinesas mostram que o volume de comércio entre ambos atingirá um recorde de 181,5 bilhões de dólares em 2023. Entre eles, as exportações da China para o Brasil atingiram 59,1 bilhões de dólares e as importações da China ao Brasil atingiram 122,4 bilhões de dólares. Segundo dados do governo brasileiro, as exportações do Brasil para a China em 2023 excederão as exportações do Brasil para os Estados Unidos e a Europa combinadas no mesmo ano;
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a China é há muito tempo a principal fonte de superávite comercial do Brasil. A FGV destacou que de janeiro a outubro de 2024, as exportações para a China representaram 29,3% das exportações do Brasil, enquanto as exportações para os Estados Unidos (o segundo maior destino de exportação) representaram apenas 11,6%. Mais da metade do superávite comercial do Brasil vem de seu comércio com a China. Uma pesquisa da FGV mostra que, em 2020, o superávite comercial do Brasil com a China atingiu 33,6 bilhões de dólares, enquanto o superávite comercial total do Brasil foi de 50,9 bilhões de dólares. O saldo positivo comercial do Brasil com a China atingiu 33,6 bilhões de dólares, representando dois terços do excedente comercial externo brasileiro.
A China tornou-se uma das principais fontes de investimento do Brasil. Segundo autoridades brasileiras, o país é o maior destino de investimentos da China na América do Sul. De 2007 a 2022, o investimento acumulado da China atingiu 71 bilhões de dólares. A State Grid adquiriu diversas empresas de transmissão e distribuição de energia no Brasil; a China Three Gorges Corporation é a primeira empresa chinesa de geração de energia a investir no Brasil e obteve direitos de franquia para várias usinas hidrelétricas brasileiras nos últimos anos; em 2024 adquiriu a Camaçari, a aquisição da planta de montagem final, estabelecendo assim a primeira base de fabricação de equipamentos de energia eólica no exterior, o China Bank of Communications e o China Construction Bank adquiriram bancos locais no Brasil e assumiram seus controles.
O Brasil espera que a cooperação com a China possa trazer novas tecnologias para o país. Os dois países lançaram o projeto China-Brasil Earth Resources Satellite (CBERS) em 1988. Nos últimos 30 anos, as duas partes desenvolveram e lançaram em conjunto 6 satélites de recursos terrestres. Dois desses satélites em órbita desempenharam um papel importante na resposta do Brasil às recentes enchentes no Rio Grande do Sul.
Durante a visita de Xi Jinping, nesta semana, os dois países assinaram o Memorando de Cooperação entre a Yuanxin Satellite e as empresas brasileiras de telecomunicações e Ministério das Relações Exteriores do Brasil afirmou que esta cooperação “cria um modelo de cooperação de alta tecnologia entre os países do Sul global” e é “um esforço pioneiro para quebrar barreiras que impedem o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sensíveis”. Durante esta visita de alto nível, os dois países assinaram o “Memorando de Cooperação entre a Yuanxin Satellite e as empresas brasileiras de telecomunicações”.
Os desafios da relação sino-brasileira
Desde sua redemocratização na década de 1980, o Brasil tenta manter a estabilidade e continuidade na sua política externa. Com ênfase na manutenção da “autonomia” diplomática, sucessivos governos passaram gradualmente a “manter a autonomia através da distância” e assim “manter a autonomia através de participação” (isto é, procurando estabelecer relações estreitas com os Estados Unidos, países europeus e Japão). Depois mudou para “manter a autonomia através da integração” (ou seja, colocar a América do Sul como prioridade diplomática e promover o estabelecimento do Mercosul).
Depois que Lula se tornou presidente pela primeira vez em 2003, ele promoveu a transformação da diplomacia brasileira de “manter a autonomia através da integração” para “manter a autonomia através da diversificação”, isto é, reforçando vigorosamente a cooperação Sul-Sul, promovendo a reforma das Nações Unidas e dando atenção à integração regional.
- É de extrema importância ressaltar, algo que Peng desconhece e não considerou na análise econômica que continua abaixo. Também, seria exigir demais dele, já que nem a grande maioria dos brasileiros compreendeu ainda. A partir de 2013 a derrocada econômica e política brasileira é consequência do Brasil ter sido alvo de uma guerra-híbrida e consequente Revolução Colorida no governo Dilma, quando a elite do país se uniu aos interesses dos EUA. Enquanto isso, surge a Lava-Jato (preparada pelo Departamento de Justiça dos EUA) que destrói as transnacionais brasileiras, as mega-empreiteiras brasileiras e ataca político e economicamente a maior empresa nacional, a Petrobras. Desde então, a população brasileira permanece dividida em cismogênese em consequência da guerra cognitiva que passou e o Brasil permanece em desestabilização contínua.
Desde 2015, a falta de força nacional causada pela estagnação econômica de longo prazo, bem como a turbulência política causada pelos frequentes escândalos de corrupção e o golpe de 2016 com a destituição da Presidente Dilma Rousseff, a estabilidade da política externa do Brasil foi abalada. Dados relevantes da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe mostram que a taxa média anual de crescimento do PIB do Brasil nos últimos dez anos (2014 a 2023) foi de apenas 2%; 2,3% e 2,1%, respectivamente.
Segundo dados do Banco Mundial, o PIB do país atingiu um máximo histórico em 2011 (2,62 trilhões de dólares), ocupando o sétimo lugar entre os países do mundo. Desde então, o PIB do país diminuiu para 1,6 bilhões de dólares (2021) devido ao lento crescimento econômico.
Em 2023, o seu PIB recuperou para 2,17 biliões de dólares, ocupando o 9º lugar entre os países do mundo, e não regressou aos máximos históricos. O Brasil experimentou uma contração diplomática significativa durante a crise econômica. O segundo governo Dilma Rousseff (2015-2016) e o governo Temer (2016-2019) foram sujeitos a disputas internas e o seu envolvimento em assuntos internacionais e regionais diminuiu significativamente.
Durante o governo Bolsonaro (2019-2023), a diplomacia brasileira mostrou uma tendência de contração geral. O governo Bolsonaro primeiro retirou a candidatura brasileira para sediar a 25ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, depois retirou da União das Nações Sul-Americanas em 2019 e depois anunciou em 2020 que suspenderia a participação nas atividades da Comunidade da América Latina e do Caribe. Ao mesmo tempo, continua a aproximar-se dos EUA, fortalecendo vigorosamente as relações com a primeira administração Trump e candidatou-se a aderir à OCDE.
Foi durante a administração de Bolsonaro que as relações sino-brasileiras atingiram o ponto mais baixo. A Reunião de Líderes do BRICS de 2019 é o primeiro grande evento diplomático doméstico realizado pelo Brasil sob Bolsonaro. O presidente Xi Jinping visitou novamente o país após um lapso de cinco anos, mas apenas participou da reunião dos líderes e não fez uma visita de Estado ao país. Após a pandemia da COVI-19, figuras importantes do governo Bolsonaro criticaram repetidamente a China, causando tensões nas relações entre os dois países.
Após o estabelecimento do terceiro governo Lula, as relações China-Brasil recuperaram o seu ímpeto. Entretanto, devido ao desempenho medíocre dos candidatos do Partido dos Trabalhadores e da esquerda nas eleições municipais de outubro de 2024, o mundo exterior não está otimista quanto às perspectivas de Lula e a esquerda vencer novamente as eleições de 2026.
Se o Brasil voltar a acolher um governo de direita ou mesmo de extrema direita, as relações China-Brasil provavelmente passarão por uma nova rodada de testes. Mesmo durante a administração Lula, as relações sino-brasileiras ainda enfrentam restrições estruturais. Essa restrição se manifesta primeiramente na estrutura comercial entre os dois países e na consequente insatisfação por parte do Brasil.
Materiais oficiais brasileiros mostram que os três principais produtos exportados pelo país para a China são soja, minério de ferro e petróleo, e suas exportações representam 36%, 20% e 18% das exportações do Brasil, respectivamente (dados de 2022). Na opinião de alguns membros dos círculos políticos, empresariais e acadêmicos internos do Brasil, esta estrutura comercial não é favorável ao país, e o comércio com a China intensificou a “produção primária” das suas exportações.
- Como os estudiosos brasileiros abordam e Peng não detalha, é que a médio prazo isso realmente é um grande problema ao Brasil que não permanecerá como o grande “Celeiro do Mundo” como o Agro é Pop gosta de afirmar. Em cerca de 30 anos, essa hegemonia agro-produtiva sofrerá concorrências.
- A África prepara-se para ser a futura fronteira agrícola, com o capital de Pequim. Em diversas regiões o solo africano é muito parecido com o Cerrado brasileiro (Pangeia). Em um dos últimos congressos do Partido Comunista Chinês, definiu-se como meta para o desenvolvimento do país a sua segurança alimentar. A China está investindo muito no projeto de criar grandes propriedades para uma produção em escala, uma espécie de cinturões agrícolas. E por fim, com o degelo pelo aquecimento global, vastos campos produtivos abriram-se ao plantio na Rússia, os quais já produzem cereais e há cerca de 10 anos os russos estão desenvolvendo novas técnicas e tecnologias para aumentar a escala de produção ainda pequena, mas é só uma questão de tempo.
O setor agrícola brasileiro defende a adesão à “Iniciativa do Cinturão e Rota” e o aprofundamento da cooperação com a China, mas o setor industrial expressou receio de que a adesão à “Iniciativa do Cinturão e Rota” intensificará ainda mais o impacto dos produtos chineses no mercado interno brasileiro.
Os conflitos entre diferentes setores econômicos foram transmitidos ao governo Lula, causando grandes diferenças de posições nos níveis mais altos do governo, o que dificultou a decisão do Brasil de aderir à iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” (BRI).
- Peng considera que o Brasil não aderiu ao BRI por não ter dado a uma declaração oficial peremptória, entretanto, há controvérsias contra sua afirmação, não é fácil para outras culturas compreender o malemolência à moda brasileira [Brasil aderiu às Novas Rotas da Seda e a medíocre Cúpula do G20 de 2024].
Para o analista, além dessas restrições internas também soma-se a influência dos Estados Unidos sobre o Brasil. Com os Estados Unidos colocando a China como o seu “maior concorrente” faz desse “o seu desafio geopolítico mais significativo”, a administração Lula tem maiores preocupações sobre a resposta dos Estados Unidos e não está disposta a permitir que as relações com a China avancem demasiadamente rápida.
Os chineses têm consciência que não será fácil para o Brasil resistir à pressão dos EUA e que estudiosos brasileiros salientam que, ao contrário da Rússia e da China, o Brasil não tem experiência em lidar com sanções dos EUA e do Ocidente, uma vez que enfrenta sanções comerciais ou financeiras dos EUA e do Ocidente, a capacidade do Brasil de resistir é extremamente frágil e o fator EUA continuará a interferir e a restringir no desenvolvimento das relações sino-brasileiras.