Nos últimos anos, o Brasil foi sucessivamente convidado a integrar as Novas Rotas da Seda – Belt and Road Initiative (BRI) -, o governo brasileiro não declarou oficialmente nem a recusa, nem o aceite. Manteve-se em silêncio para assim escapar das intensas pressões e ameaças dos EUA – vide as contínuas declarações e ameaças da Generala Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA e a recente demonstração de força pelo envio do Porta-aviões, USS George Washington, aportado no meio da Baía de Guanabara, RJ.
Entretanto, à moda brasileira, o Brasil “deu um migué” nos Estados Unidos e se integrou extraoficialmente nas Novas Rotas da Seda (BRI). Na terça-feira (09/07) o presidente Lula participou do Fórum Empresarial Bolívia-Brasil, em Santa Cruz de la Sierra. Muito mais do que os acordos de integração entre a Bolívia e o Brasil fechados no evento, na prática e tacitamente, o Brasil aderiu às Novas Rotas da Seda (BRI).
Na segunda-feira anterior (08/07) o presidente Lula preparou a jogada, durante a 64ª reunião de cúpula do Mercosul em Assunção, Paraguai. Ao integrar a Bolívia ao Mercosul e defender o retorno da Venezuela à organização. O fortalecimento do Bloco econômico permitirá que o Brasil possa aumentar seu poder de barganha e assim conseguir parcerias e acordos mais vantajosos com a China, a qual aceita fazer negociações conjuntas entre membros de alianças econômicas.
No fórum boliviano, ao lado do presidente Luiz Acer, Lula enfatizou em seu discurso:
“Precisamos dar ao Brasil, à Bolívia e a outros países sul-americanos uma chance no século XXI de deixarem de ser tratados como países em desenvolvimento ou do Terceiro Mundo” e destacou que um dos principais objetivos da integração é garantir que tanto o Brasil quanto a Bolívia tenham acesso ao Oceano Pacífico e que a parceria é essencial para abrir novos mercados e conectar o continente a novos fluxos comerciais influenciados pela China”, disse o presidente Lula.
O objetivo é conectar a infraestrutura brasileira, que já está em construção, à Bolívia até o porto peruano de Chancay no Pacífico. Formando assim, mais um dos braços das Novas Rotas da Seda interligando toda a América do Sul do Atlântico ao Pacífico.
As rotas brasileiras
Autoridades peruanas já declararam que esperam construir uma ferrovia do Peru ao Brasil através da Bolívia, a Ferrovia dos Dois Oceanos, para promover as exportações do Porto de Chancay. Em 2023, a ministra do planejamento e orçamento do Brasil, Simone Tebet, disse:
“Em 4 anos o Brasil terá acesso ao Pacífico em um projeto de integração sul-americana”.
O trecho abaixo é a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) EF-334, o projeto prevê 1527 quilômetros de extensão em bitola larga, que corta do Tocantins à Bahia, até o Porto Sul em Ilhéus. A FIOL se conectará em Figueirópolis à ferrovia longitudinal Norte-Sul (FNS), a qual vai do Pará ao Rio Grande do Sul. A elaboração do projeto da FIOL começou em 2008, ainda durante o governo do presidente Lula da Silva (PT). A conectividade pela FIOL foi uma das razões pela qual a China escolheu o nordeste para implantar suas fabrica de carros elétricos.
Ano passado, a ministra Tebet apresentou o projeto das Rotas de Integração Sul-Americana, que faz parte do Novo Programa de Aceleração do Crescimento, com investimentos previstos de 320 bilhões de dólares, cuja utilização de 75% será até 2026. As obras de infraestrutura, hidrovias, rodovias, pontes, linhas de transmissão e aeroportos necessários, já estão previstas no orçamento do PAC.
De acordo com a ministra Tebet, vários trechos estão prontos, faltando apenas conectá-los, o que acelerará a obra, podendo estar pronta já em 2027. Na visita à Bolívia, Lula disse que: “Até o final de meu mandato, quero concluir a principal, a rota rodoviária do Quadrante Rondon, que integra os estados do Acre, de Rondônia e do Mato Grosso, à Bolívia e ao Peru”. “A Ponte sobre o rio Mamoré, um compromisso histórico do Brasil, finalmente vai sair do papel”.
“Quando a interconexão ferroviária entre Santa Cruz e Cochabamba for completada, as cargas que saem do porto de Santos poderão chegar diretamente ao Pacífico. A conclusão desses corredores permitirá uma economia de, no mínimo, mil dólares para cada contêiner brasileiro exportado para a Ásia, bem como a redução no tempo de transporte de mercadorias em, pelo menos, quinze dias”, enfatizou o presidente Lula.
A Rota de Integração Sul-Americana é composta por dez projetos, divididos em cinco eixos, os trechos considerados prioritários foram:
- Ilha das Guianas: interligando o Norte do Brasil com as Guianas, o Suriname e a Venezuela;
- Manta-Manaus: conectará a região Norte do Brasil com a Colômbia, o Equador e o Peru;
- Quadrante Rondon: interligará os estados do Acre, do Mato Grosso e de Rondônia com a Bolívia e o Peru;
- Bioceânica de Capricórnio: o projeto irá aumentar e facilitar a logística entre os estados do Mato Grosso do Sul, do Paraná e de Santa Catarina com a Argentina, o Chile e o Paraguai;
- Porto Alegre-Coquimbo: conectará do Rio Grande do Sul à Argentina, ao Chile e ao Uruguai.
No Brasil, o BNDS financiará os municípios, nos países vizinhos haverá financiamento através de bancos multilaterais, Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata etc.
Mais alguns trechos reveladores do discurso do presidente Lula na Bolívia:
- “A nova política industrial brasileira se propõe a aumentar a complementaridade com os vizinhos e adensar nossas cadeias produtivas”;
- “O desenvolvimento de infraestruturas comuns é a base para um continente mais próspero e unido”.
- “Investiremos na integração física por meio de rotas multimodais que cruzarão toda a América do Sul, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico”;
- “Duas das cinco rotas previstas passarão pela Bolívia, incontornável por sua centralidade neste continente.
O porto peruano de Chancay
A construção do megaporto peruano de Chancay começou em 2011 por holdings de investimento chinesas com um investimento inicial de 1,3 bilhões de dólares e uma estimativa de 3,6 bilhões de dólares ao término. A primeira fase deverá ser concluída até ao final de 2024.
Em 2019, a holding chinesa COSCO Shipping Ports Co., Ltd., uma subsidiária da COSCO Shipping Group, vendeu 60% do capital do Porto de Chancay à empresa peruana Peruvian Volcano Mining Group, passando assim o controle para uma empresa peruana, mas a COSCO Shipping permanece com a exclusividade na exploração do porto.
O Porto de Chancay é um porto natural de águas profundas, localizado a cerca de 80 quilômetros ao norte de Lima, com profundidade máxima de 17,8 metros, receberá navios porta-contêineres ultragrandes com capacidade superior a 18.000 TEU e terá a capacidade para receber navios porta-contêineres que não podem atracar em outros lugares da América do Sul.
O porto tem terminais multifuncionais e para contêineres, e as instalações de infraestrutura relacionadas. Há 4 berços construídos nessa primeira fase, 2 berços multiuso e 2 berços para contêineres. Num futuro próximo, a produção anual total projetada é de 1 milhão de TEUs, 6 milhões de toneladas de carga fracionada e 160.000 veículos.
O terminal portuário permite a conexão à Rodovia Pan-Americana através de um túnel de 1,8 quilômetros. Está localizado na área economicamente mais ativa do Peru. Após sua conclusão, ele permitirá aos países sul-americanos uma rota direta à Ásia, o tempo de navegação dos navios para a China será reduzido em 10 dias. Agora, os navios da América do Sul precisam fazer escala na América Central, no México ou nos Estados Unidos, demorando mais de 45 dias. Desde o início, o porto foi projetado para ser mais um dos nodes das Novas Rotas da Seda (BRI)
A Rodovia Pan-Americana percorre 48.000km, da Prudhoe Bay, no Alasca, segue ao Canadá, Estados Unidos, México, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Equador, Peru, Chile e Argentina – no momento, o Brasil não faz parte do percurso.
Em março, uma reportagem da Reuters disse que uma delegação de 20 empresas brasileiras do setor de logística e exportação visitou o porto em maio passado e manifestaram interesse no porto de Chancay, executivos de empresas chinesas também visitaram importantes áreas produtoras de soja do Brasil em agosto do ano passado. O nome das empresas e empresários não foram revelados pela publicação.
A mídia noticiosa chinesa, Guancha, reportou no início do ano que o Brasil se beneficiará com o Porto de Chancay, o maior parceiro econômico brasileiro é a China. O país comercializa dois terços do seu minério de ferro, além de ser o maior fornecedor de grãos; soja, milho e de carne bovina à China. No entanto, aos olhos chineses o que tem sido um obstáculo ao aumento do comércio entre ambos, é que apesar do Brasil ter muitos portos, esses “estão na direção errada”. Os navios de cargas precisam se dirigir para leste através do Oceano Atlântico ou para norte através do Canal do Panamá até ao Oceano Pacífico.
Sabotagens dos Estados Unidos
O chefe de relações-públicas da COSCO Shipping Group disse que o projeto do porto tem sido alvo dos Estados Unidos desde o início da sua construção. Em 2022, durante o Aspen Security Forum, na Flórida a Generala Laura Richardson, comandante do Comando Sul, explicou o interesse dos EUA na região; da Amazônia ao petróleo, minérios, metais raros, aquíferos; e afirmou que “estrangeiros” estavam tomando proveito das enormes riquezas de seu quintal, e os EUA deveriam usar de tudo, incluindo ONGs às universidades para impedir o desenvolvimento autônomo da região.
Comandante dos EUA no Cone Sul, explicou em junho 2022, o interesse deles na LatAm e Amazônia:
Petróleo, Minérios e Aquíferos.
Os EUA promovem mt a pauta🌿👼'Clima, Floresta Sustentável' e tais, mas no longo-prazo e no fundo é sôbre nossas riquezas, e é isso q temos q pescar🎣: pic.twitter.com/MnwbhNHc3I— Gringa Brazilien (@GringaBrazilien) January 5, 2023
Em uma reunião em maio deste ano, a Generala Richardson exagerou na fake news e na “teoria da ameaça chinesa”, afirmou que a China poderia utilizar o porto para “fins militares”. Ela disse que a construção de portos na América Latina pela China representa um “risco significativo” para os interesses dos EUA, instou as empresas dos EUA a competir e que os países latino-americanos deveriam adotar “alternativas comerciais mais seguras”.
Em junho deste ano, o presidente argentino, Javier Milei, deu o controle da hidrovia Paraná-Paraguai aos militares dos EUA. A Hidrovia Paraná-Paraguai faz parte dos interesses brasileiros para a ligação com o restante da América do Sul e dá acesso a cinco países do Cone Sul; Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Mesmo com toda a pressão recebida, o Peru optou por ignorar as ameaças. O ministro das relações exteriores peruano, Javier González-Olaechea, declarou há época que se os Estados Unidos estavam realmente tão preocupados com a presença crescente da China no Peru, deveriam aumentar o seu próprio investimento no país. “A América é como aquele amigo que é muito importante, mas raramente passa tempo conosco”, disse Olechea.
As mídias estadunidenses aproveitaram a oportunidade para reiterar a “coerção econômica”. Em 13 de junho, o Wall Street Journal afirmou que após a conclusão o Porto de Chancay se tornará o “primeiro centro comercial verdadeiramente global” da América do Sul e ameaçará a influência dos EUA em seu “quintal americano”. Um antigo diplomata sênior do Departamento de Estado, atualmente dirige a think tank, Conselho Interamericano, Eric Farnsworth disse sobre Chancay: “É realmente uma nova forma importante de tornar a China uma porta de entrada para o mercado global, não é apenas uma questão comercial neste momento, mas uma questão estratégica.”
Há diversos relatórios vindos a público sobre a crescente preocupação dos Estados Unidos não apenas com o Peru, mas também por toda a região. Citam que o Brasil rejeitou o pedido dos EUA para excluir o 5G da Huawei e espera cooperar com a China no desenvolvimento de semicondutores, empresas chinesas estão construindo um metrô em Bogotá – Colômbia, e Honduras aguarda receber um grande investimento das empresas chinesas e citam várias outras iniciativas bilaterais na América do Sul.